Olhares sobre a IA na mediação trabalhista: entrevista com Fernando Hoffmann e Giuseppe de Palo

Publicado em: 18/08/2025
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O Tribunal Regional do Trabalho de Goiás encerrou na última sexta-feira (15/8) o curso de Formação Continuada de Conciliadores e Mediadores com uma experiência inédita: uma simulação de audiência de conciliação apoiada por ferramentas de inteligência artificial. A atividade foi conduzida pelo juiz Fernando Hoffmann, do TRT da 9ª Região, e pelo professor Giuseppe de Palo, referência internacional em resolução alternativa de disputas, que demonstraram como a tecnologia pode ampliar as possibilidades de mediação sem perder o cuidado humano.

Após a dinâmica, conversamos separadamente com os dois especialistas, que falaram sobre os desafios e oportunidades da aplicação da IA na mediação trabalhista, riscos éticos, competências necessárias aos mediadores e perspectivas para os próximos anos.

A seguir, você confere, no formato ping-pong, as respostas na íntegra de Giuseppe de Palo e Fernando Hoffmann.


Professor Fernando Hoffmann

Homem com terno escuro falando ao púlpito

Qual o balanço que o senhor faz desse curso? O senhor acredita que o TRT-GO está no caminho certo?

Sim, o curso foi desafiador para todos nós, participantes, instrutores, Escola Judicial. O TRT-18 está no caminho certo, não só por aprofundar as qualidades, as habilidades, as capacidades dos seus mediadores, juízes, servidores, como também por apresentar novas possibilidades que a inteligência artificial oferece. Então, é um curso que buscou tratar temas da atualidade, como a mediação pré-processual, a reclamação, a homologação da transação extrajudicial e também, olhou para o futuro. Não olhou só para o presente, o que nós podemos ter com o auxílio da tecnologia.

A inteligência artificial não vai poder substituir nesse caso da conciliação a sensibilidade e compreensão humana, certo?

O toque humano é fundamental. Existe um ditado em inglês “human in the loop”, que significa “o homem no controle”. Nós precisamos assumir esse controle. O uso da IA só pode se dar de forma segura, responsável e ética. Isso significa dizer que é o ser humano que está conduzindo a mediação e ele pode sim se utilizar da inteligência artificial, mas desde que o faça de forma controlada, preparada, e eu diria informada.

Na sua opinião, professor, qual a habilidade ou quais as habilidades mais importantes para um conciliador?

Bom, em primeiro lugar, eu sempre destaco duas: comunicação e negociação. Bons comunicadores, bons negociadores, são excelentes mediadores como regra geral. E aí nós precisaríamos ter também outras qualidades como a escuta ativa, a empatia, a geração de opções e, em relação às qualidades pessoais dos mediadores, nós poderíamos destacar talvez uma delas, a persistência. Não aquela teimosia, mas aquela persistência, a perseverança, não desistir frente a qualquer obstáculo, qualquer desafio, mas tentar viabilizar que as próprias partes possam construir a solução para o seu conflito, para o seu processo.

As suas considerações sobre as novidades, sobre as reflexões que o professor Giuseppe trouxe hoje.

Bom, aqui nós estamos frente a um mundo novo, uma nova era, há uma convergência cada vez maior entre ODR e ADR (online dispute resolution e alternative dispute resolution), ou seja, entre a resolução online de disputas e a resolução adequada de disputas. E nós já vimos isso acontecer quando tivemos a máquina de escrever, quando nós tivemos os computadores pessoais, quando nós tivemos a internet, quando nós tivemos o e-mail. Mais recentemente, quando vimos plataformas de videoconferência na pandemia, e agora nós temos um novo passo na tecnologia que é a inteligência artificial. E ela tende a catalisar, para aqueles que saibam fazer um bom uso dela, tende a catalisar as suas mediações e as suas capacidades como mediador.


Professor Giuseppe de Palo

Homem vestindo terno fala ao púlpito durante palestra

Professor, como a IA pode melhorar a mediação trabalhista sem perder sua essência humana?

É uma questão chave, então é uma excelente pergunta. Eu acredito que o uso de ferramentas de IA, como a que discutimos hoje, para melhorar questões, revisar estratégias de negociação, e colocar isso sob o controle de um humano, sem delegar tudo à máquina, nos dará o melhor resultado. A eficiência, a magnitude do conhecimento e das informações que a IA é capaz de considerar, mas sempre sob a decisão e aprovação final do ser humano, incentivando acordos e soluções.

Quais países lideram na mediação assistida por IA e por quê?

É outra boa pergunta. Posso dizer que há países que estão investindo muito nisso. Quais países realmente estão usando, não tenho certeza completa. Mas há, claro, uma grande competição entre EUA e China. Tenho a sensação de que a China pode estar mais avançada do que sabemos em termos de usar tecnologia para facilitar a mediação e resolução de conflitos. Os investimentos estão indo para um setor chamado peace tech. Não me surpreenderia se startups já tiverem desenvolvido essa tecnologia. Mas em termos de governos ou iniciativas públicas, ainda não sei. Fico feliz em dizer que me encontrei com autoridades aqui no Brasil e há algumas ideias que estamos trabalhando para usar tecnologia, mesmo que não IA propriamente dita, para melhorar a mediação no ambiente de trabalho.

Quais são os principais riscos éticos do uso da IA?

Em disputas trabalhistas, os principais riscos éticos estão relacionados ao desequilíbrio de poder. A parte que tem mais poder, geralmente o empregador, pode projetar o sistema de forma que não haja imparcialidade, ou o modelo pode ser treinado de uma maneira que certos fatores não sejam considerados. Todos nós temos vieses na tomada de decisão sobre o que é certo ou errado. Se o design do modelo não levar isso em conta, pode haver problemas. A solução é ter modelos privados feitos por investidores privados, mas se houver também fundações ou investimentos públicos, esses modelos podem se basear no que já existe e melhorar. Vejo uma competição saudável entre modelos privados com fins lucrativos e públicos sem fins lucrativos. Assim, o mercado oferece opções e o Estado tem a obrigação de disponibilizar sistemas como esses, da mesma forma que a internet se tornou uma necessidade básica.

Um exemplo de IA aplicada à mediação que preserve empatia e confiança.

Ainda não conheço nenhuma máquina capaz de fazer isso, mas, como mencionei, está em desenvolvimento. A ideia seria incorporar à plataforma a capacidade de não apenas ouvir e mostrar empatia com base nas palavras, mas também detectar emoções humanas, poder pausar, validar essas emoções, e ter a máquina assistida ou acompanhada por um humano. Talvez não em todos os casos, mas se a cada 10 casos um humano puder testar a resposta emocional ou empática da IA, isso seria uma forma de validar e controlar a máquina.

Quais habilidades os mediadores devem desenvolver para trabalhar com IA?

Basta serem curiosos. A IA sempre será mais rápida em algumas tarefas. É importante abraçar a tecnologia, fazer experimentações, usar múltiplas plataformas, e talvez no futuro até construir seus próprios modelos de linguagem, incorporando valores éticos e culturais. Curiosidade é essencial, sem se intimidar por idade ou experiência prévia.

Se pudesse escolher algumas habilidades essenciais para um mediador alcançar bons resultados, quais seriam?

Humildade, resistência, perseverança e curiosidade. Muitas vezes, as pessoas carregam muitas experiências e preconceitos, e o mediador precisa focar no que não sabe, mesmo sendo experiente e inteligente, para tornar a mediação mais eficaz.

Como seria a integração ideal da IA na mediação em 10 anos?

Não tenho ideia exata, porque 10 anos é muito tempo em termos de IA, mas imagino um ser superinteligente na mediação, capaz de entender o que as partes querem, orientar com base em todo o conhecimento, experiências e teorias disponíveis mundialmente. Mas o que virá depois de 10 anos? Não sei nem como conceituar.

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