Mulheres que inspiram: conheça a trajetória de duas juízas que trabalham por equidade e acolhimento de outras mulheres

Publicado em: 07/03/2025
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No Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO), duas magistradas se destacam por seu compromisso com a equidade de gênero e a defesa dos direitos das mulheres. A desembargadora Kathia Albuquerque, ouvidora da Mulher, e a desembargadora Rosa Nair Reis, coordenadora do Subcomitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina e de Igualdade de Gênero e diretora da Escola Judicial, não apenas ocupam cargos estratégicos, mas transformam o Judiciário em um espaço mais acolhedor e representativo para as mulheres. Nesta matéria especial do Dia da Mulher, elas compartilham suas histórias, desafios e expectativas à frente de iniciativas que fazem a diferença.

desembargadora Kathia Albuquerque

Desembargadora Kathia Albuquerque

“O processo mais importante é o que está na minha mesa para ser julgado”

De olhar altivo, voz firme e um jeito de quem sabe aonde quer chegar, Kathia Albuquerque nunca se intimidou diante das dificuldades. Forte e brava, como ela mesma se define, a desembargadora também assume seu lado transparente e sensível às injustiças. Parece que o destino a moldou para a magistratura. Nascida em Curitiba, ela morou e estudou em São Paulo, mas sua cidade do coração é Goiânia, onde escolheu viver e trabalhar. Kathia é filha de desembargador do trabalho de São Paulo e de mãe advogada. Embora o seu caminho na magistratura parecesse natural, seu primeiro vestibular foi para Odontologia, mas ela optou por Direito. 

Já no primeiro ano do curso, ela contou que “foi amor à primeira vista”,  ao lembrar com saudade de dois eminentes professores com quem estudou: Amauri Mascarenhas Nascimento e José Luiz Vasconcelos. Após formada, atuou como servidora do TRT de São Paulo por nove meses, mas pediu exoneração para dedicar-se à advocacia. A decisão de seguir a magistratura surgiu ao contemplar um pôr do sol numa viagem à Grécia: “Vou ser igual ao papai. Vou ser juíza do trabalho”, declarou à irmã Karla Maria. Foi com essa meta que ela passou a estudar até 17 horas por dia, sem descanso aos finais de semana, até assumir o cargo de juíza do trabalho em 1989.

Mais de três décadas depois, sua rotina continua intensa. “O processo mais importante é o que está na minha mesa para ser julgado”, afirmou ao mencionar que, dentre os milhares de processos, para cada parte envolvida, aquele julgamento é único e pode mudar vidas. “A regra no meu gabinete é essa: o ambiente tem que ser bom, todos devem estar felizes. Porque problemas todos nós temos, e eu não posso trazer os meus problemas para um processo que exige análise e imparcialidade”, ressaltou.  Para ela, a ordem e a paz social dependem da distribuição da justiça, de dar a cada um o que é seu. Assim, embora saiba que não é perfeita e que pode cometer erros, ela afirma que sempre atua para que cada decisão seja a melhor decisão possível no processo analisado.

Imagem de arquivo de família: Kathia Albuquerque com a mãe Marly Albuquerque, o pai Ildeu Albuquerque e a irmã Karla Maria.

Arquivo de família: Kathia Albuquerque com a mãe Marly Albuquerque, o pai Ildeu Albuquerque e a irmã Karla Maria.

“O principal propósito da Ouvidoria da Mulher é o acolhimento”

Além de integrar a Segunda Turma de desembargadores, Kathia Albuquerque atua ativamente no TRT-GO em defesa das mulheres e no combate ao trabalho infantil. A desembargadora é coordenadora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem e está à frente da Ouvidoria da Mulher. Ela também foi eleita vice-presidente do Colégio de Ouvidorias Judiciais da Mulher (Cojum), entidade nacional criada em 2023 para promover a articulação e o fortalecimento das ouvidorias judiciais no enfrentamento à violência contra as mulheres.

“O papel da Ouvidoria da Mulher vai muito além do recebimento de denúncias, o principal propósito é o acolhimento”, explicou. Ela ressaltou que a Ouvidoria também faz a ponte entre denúncias de assédio, violência ou discriminação contra a mulher e os órgãos competentes. O TRT goiano foi o primeiro tribunal trabalhista a criar uma Ouvidoria da Mulher em 2022.

A desembargadora também se dedica a ações de conscientização sobre os direitos das crianças e a prevenção de abusos. Segundo Kathia Albuquerque, muitas situações de violência e exploração infantil passam despercebidas, pois os sinais nem sempre são claros para pais e responsáveis. Como parte do seu trabalho no combate ao trabalho infantil, ela realiza palestras em escolas e igrejas, alertando sobre os indícios de abuso ou exploração. Entre os sinais mais comuns, ela cita mudanças repentinas de comportamento, agressividade, recusa em interagir com determinadas pessoas, além de sintomas físicos como vômitos e diarreia sem causa aparente.

Desembargadora Kathia com a filha Fernanda e a irmã Karla Maria

Desembargadora Kathia com a filha Marcela e a irmã Karla Maria

“A maioria dos casos de abuso acontece dentro de casa, com pessoas próximas. Por isso, é essencial que a sociedade como um todo esteja atenta e denuncie”, enfatizou. A magistrada reforça que qualquer suspeita pode ser comunicada anonimamente à Ouvidoria da Mulher ou a outros órgãos de proteção à infância, garantindo que as crianças tenham seus direitos preservados.

“Estamos cada vez mais próximas de um ponto de equilíbrio entre homens e mulheres”

Kathia Albuquerque foi a segunda mulher a assumir o cargo de desembargadora desde a criação do TRT-GO há quase 35 anos. Hoje, as mulheres ainda são minoria no segundo grau. São quatro mulheres desembargadoras para dez homens desembargadores. Já no primeiro grau o número é mais equilibrado, com 46% de juízas. Kathia Albuquerque conta que nunca sentiu qualquer diferença de tratamento na sua profissão pelo fato de ser mulher. “Eu sempre fui respeitada pelos meninos, porque sempre me dei o respeito”, disse com voz convicta. 

Para a desembargadora, a mulher vem avançando nos espaços de poder, no entanto, o processo é gradual, pois a desigualdade de gênero ainda é uma realidade e exige políticas que incentivem a equidade. Ela mencionou o novo protocolo do CNJ de julgamento com perspectiva de gênero como um dos avanços. “Só seremos plenamente felizes quando homens e mulheres puderem viver essa equidade, na prática, e estamos caminhando para isso. Tenho muita fé e esperança”, afirmou.

A magistrada também ressaltou a importância da participação feminina na tomada de decisões, pelo fato de as mulheres terem uma visão mais abrangente e empática dentro do Judiciário. “Nós não somos melhores nem piores do que os homens, somos diferentes. E essa diferença enriquece o ambiente de trabalho, a sociedade e a própria Justiça”, destacou. Para ela, a sociedade está cada vez mais próxima de um ponto de equilíbrio, no qual homens e mulheres possam compartilhar responsabilidades e oportunidades de forma justa. “As mulheres estão mais preparadas, e os homens estão aprendendo a lidar com essa nova realidade”, afirmou. 

“A formação continuada é essencial para ampliar a presença feminina no Judiciário”

Rosa Nair ao tomar posse como desembargadora

Outra mulher que também é uma inspiração para as mulheres é a desembargadora Rosa Nair Reis. Uma menina criada em uma família numerosa de nove irmãos no município de Inhumas (GO), Rosa Nair também viu o potencial transformador da educação. Ela estudou em escolas públicas e fez um curso profissionalizante antes de decidir prestar vestibular para Direito na Universidade Federal de Goiás. Ela conta que foi motivada pela aptidão para a área de humanas e pela busca por oportunidades para além de sua cidade natal, tendo sido aprovada em 1982. Seu talento e sua habilidade em liderar vem desde os tempos da faculdade, período em que se envolveu ativamente na vida acadêmica, participando da diretoria do Centro Acadêmico e atuando como monitora no Escritório Modelo. 

Após a graduação, Rosa Nair iniciou sua trajetória profissional na advocacia, trabalhando em uma empresa de transporte coletivo em Goiânia. Foi nesse período que teve seu primeiro contato com a Justiça do Trabalho e começou a admirar a atuação de magistrados e servidores. Ela lembrou, com gratidão, que nessa época teve a oportunidade de trabalhar com dois professores do curso de Direito, Getúlio Vargas e João Pessoa de Souza. O desejo de ingressar na magistratura surgiu quando era servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, época em que Goiás ainda fazia parte dessa jurisdição. Após três tentativas, conquistou sua vaga como juíza do trabalho no TRT-GO e tomou posse em 1993.

“Apesar das dificuldades, sempre pude exercer a magistratura com total  independência”
Rosa Nair com o marido, Everson Reis e o filho Pedro Henrique

Rosa Nair com o marido, José Everson Reis, e o filho Pedro Henrique

Rosa Nair percorreu um longo caminho até se tornar desembargadora. No mesmo ano em que tomou posse como juíza substituta, foi promovida à titularidade da Vara do Trabalho de Jataí. Nos anos seguintes, passou por diversas cidades do interior, enfrentando desafios como deslocamentos longos por estradas precárias e estruturas de trabalho limitadas. Atuou em varas nos municípios de Ceres, Anápolis e Goiânia, acumulando experiência na condução de processos trabalhistas.

Em 2015, Rosa Nair começou a atuar como juíza convocada no segundo grau, experiência que ampliou sua visão sobre o funcionamento da Justiça do Trabalho. Em 2018, foi promovida ao cargo de desembargadora do TRT-GO por merecimento. Apesar das dificuldades que enfrentou ao longo da carreira, ela afirmou, com orgulho e gratidão, que sempre pôde exercer a magistratura com total independência. “As dificuldades pelas quais passei até aqui, penso, são as mesmas vivenciadas pelos meus colegas magistrados, do primeiro ou do segundo grau, homens ou mulheres”, acrescentou. 

Para ela, um dos desafios atuais da magistratura é o aumento constante na distribuição de processos ao segundo grau, a complexidade das demandas e o reduzido quadro de servidores nos gabinetes. De fato, em 2024 houve um aumento de 18% no número de processos recebidos no segundo grau, em relação ao ano anterior. Esses desafios, segundo ela, tornam a tarefa de julgar cada vez mais difícil, especialmente diante da ausência de políticas de valorização da carreira dos servidores e de baixas gratificações destinadas à área-fim.

“A capacitação é um caminho para fortalecer a participação feminina no Judiciário”
Rosa Nair no dia de sua posse como desembargadora em 2018, ao lado das desembargadoras Iara Rios, Kathia Albuquerque e Silene Coelho (aposentada)

Rosa Nair no dia de sua posse como desembargadora em 2018, junto às desembargadoras Iara Rios, Kathia Albuquerque e Silene Coelho (aposentada)

Rosa Nair integra a Terceira Turma de desembargadores e assumiu recentemente a direção da Escola Judicial do TRT-GO para o biênio 2025/2027, comprometida com uma gestão participativa, pautada pela inovação, inclusão e excelência acadêmica. Ela acredita que a formação continuada é um dos principais instrumentos para ampliar a presença das mulheres nos espaços de decisão. “A capacitação fortalece competências técnicas e comportamentais essenciais para a liderança”, destacou.

Ela apontou três pilares fundamentais da formação para o avanço feminino na carreira jurídica: igualdade de oportunidades, criação de redes de suporte e fortalecimento da autoconfiança. Segundo a magistrada, políticas institucionais que incentivam a qualificação profissional contribuem diretamente para que as mulheres se sintam preparadas para assumir cargos de maior responsabilidade.

Rosa Nair ainda coordena o Subcomitê de Incentivo Institucional à Participação Feminina e de Igualdade de Gênero no TRT-GO. O colegiado tem como objetivo identificar desigualdades na ocupação de cargos de liderança e sugerir medidas para corrigir esse cenário. “O CNJ estabeleceu diretrizes para que os tribunais promovam a equidade de gênero, e nosso papel é garantir que essa política seja implementada de forma efetiva no TRT”, explica.

Uma pesquisa realizada em 2020 no tribunal revelou que as mulheres são minoria nos cargos de maior hierarquia, como os cargos em comissão, em que os homens representam 63%. A diferença é ainda maior na área-fim, onde os homens ocupam 79% dos cargos de diretor de Vara do Trabalho. Para mudar essa realidade, o Subcomitê tem incentivado, com base nas políticas do CNJ, a adoção de medidas que garantam uma divisão mais equitativa dos postos de liderança.

“A conscientização sobre equidade de gênero deve ser constante”
Rosa Nair com sua mãe Iolanda

Rosa Nair com sua mãe Iolanda

Nos últimos anos, o TRT-GO tem avançado na promoção da equidade de gênero. Um exemplo foi a recente decisão do Pleno do Tribunal  (RA nº 117/2024), que estabeleceu a paridade entre homens e mulheres na convocação de magistrados para atuar no segundo grau. Para Rosa Nair, esse tipo de iniciativa é essencial para garantir que as mulheres tenham mais oportunidades de ocupar cargos de liderança.

Para a desembargadora, a implementação de políticas de paridade de gênero, com metas e mecanismos de monitoramento, aliada à capacitação, mentoria e ambientes de trabalho inclusivos, é fundamental para que as mulheres tenham mais oportunidades de ascender dentro do Judiciário. Além disso, ela defende que a conscientização sobre equidade de gênero deve ser constante e envolver toda a instituição.

Mulheres que inspiram

Essas mulheres inspiradoras também se inspiram em outras mulheres. Kathia Albuquerque contou que as mulheres que a inspiram são as mulheres de sua própria família. Sua avó, que teve 17 filhos, ensinou força e resiliência, enquanto sua mãe, com uma personalidade firme e, ao mesmo tempo, extremamente carinhosa, foi sua maior referência. “Minha mãe era brava, brava, brava e eu nunca vi uma pessoa mais carinhosa na vida. Ela encontrou um equilíbrio perfeito entre firmeza e amor”, relembrou, com um brilho nos olhos. 

Kathia contou que o suporte de sua única irmã, Karla Maria, também foi fundamental ao longo da vida, principalmente após a perda precoce de sua mãe, há 30 anos. Hoje, diante de tantos desafios tecnológicos e mudanças na sociedade, sua inspiração vem de outra pessoa – da sua filha Marcela. “Hoje, se você me perguntar de onde tiro minha inspiração para melhorar, para evoluir, eu diria que vem da Marcela”, ressaltou ao enfatizar que é com a filha que aprende muito sobre tolerância e aceitação.

Kathia Albuquerque ainda bebê no colo da avó.

Kathia Albuquerque ainda bebê no colo da avó.

Para a desembargadora Rosa Nair, sua maior inspiração é sua mãe, Iolanda. Casada aos 18 anos com um homem viúvo, seu pai João Periquito Silva Filho, sua mãe dedicou-se à criação e educação dos nove filhos, conciliando força e generosidade para manter a família sempre unida. “Inteligente, com uma disposição invejável para o trabalho e muita sabedoria na solução de conflitos, minha mãe sempre conseguiu agregar todos ao seu redor”, contou. Mesmo aos 84 anos, Iolanda segue ativa, cozinhando, costurando, torrando seu próprio café e até fazendo sabão artesanal, sem aceitar reduzir o ritmo. 

Já no campo profissional, Rosa Nair se inspira na competência e dedicação das suas colegas magistradas e no comprometimento das servidoras do TRT-GO. “Tenho o privilégio de trabalhar ao lado de mulheres extraordinárias, que somam esforços para fazer deste Tribunal um motivo de orgulho para todos”, finalizou.

Neste Dia da Mulher, o TRT-GO parabeniza a todas as mulheres que atuam com amor e dedicação para que a Justiça do Trabalho em Goiás entregue à população um serviço público efetivo e de qualidade. A todas as juízas, servidoras, estagiárias, terceirizadas e as advogadas trabalhistas e procuradoras do MPT, feliz Dia da Mulher. 

Assista ao vídeo em comemoração ao Dia da Mulher, publicado no perfil @trtgoias no Instagram. Nele, mulheres que atuam no tribunal e na advocacia revelam quais mulheres as inspiram como pessoas e profissionais. Deixe sua curtida e conte nos comentários que mulheres inspiram você.

LN/JA/WF

 

Galeria com acervo pessoal enviado pelas homenageadas:

 

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