Histórias que inspiram, lutas que unem: a busca por um Tribunal para todos

Publicado em: 20/09/2024
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No dia 21 de setembro, celebramos a luta por igualdade e inclusão das pessoas com deficiência. No TRT de Goiás, essa data ganha um significado ainda mais especial, pois nos convida a refletir sobre a importância de garantir que todos os servidores e magistrados tenham as mesmas oportunidades e sejam tratados com a dignidade que merecem. O lema “Nada sobre nós, sem nós” ecoa forte em nossos corações, lembrando-nos que a inclusão só é verdadeira quando as próprias pessoas com deficiência são protagonistas nas discussões e decisões que impactam suas vidas.

Então, partimos do relato e da história de vida de cada uma dessas pessoas para entender as suas dores, as suas lutas e as suas conquistas. Elas representam aqui um universo de milhões de brasileiros. Afinal, a deficiência pode tocar a vida de qualquer um de nós, seja por um acidente, uma doença ou simplesmente pelo envelhecimento.

Nessa reportagem especial, servidores e magistrados com deficiência contam como transformaram desafios em histórias de superação.

“Minha deficiência não me define”
imagem mostra a servidora Ivani Ribeiro em frente a um computador trabalhando

Ivani Ribeiro, servidora da Coordenadoria de Comunicação Social

Ivani Ribeiro, servidora da Coordenadoria de Comunicação Social, convive com uma doença hereditária chamada “otosclerose coclear”, que provoca surdez de forma lenta e progressiva. Ela conta que só começou a perceber que não estava ouvindo bem aos 30 anos de idade, ao notar um zumbido constante. Naquela época, ela já tinha se graduado em Direito e já era servidora pública. “No início, havia uma grande falta de entendimento por parte dos colegas e gestores sobre a minha condição. As adaptações eram poucas, e o desconhecimento sobre as necessidades de uma pessoa com deficiência auditiva gerava barreiras invisíveis”, relata.

Ivani, que trabalha no TRT de Goiás desde 1993, enfrentou vários desafios na carreira. No início, ela conseguia falar ao telefone e ouvir música normalmente, mas hoje depende de aparelhos auditivos e da leitura labial para se comunicar e, mesmo assim, enfrenta dificuldades. Por isso ela considera importante que as pessoas falem com uma pessoa com deficiência auditiva de forma mais articulada. Ela contou que tem sido muito desafiador lidar com a perda progressiva da audição, porque às vezes precisa falar alto com pessoas que a conheceram falando normalmente. “Falo alto porque tenho dificuldade de ouvir minha própria voz e isso, às vezes, gera desconforto e até vergonha”, desabafou. 

Ivani com seu cachorrinho Cacau

“Minha deficiência não me define. Sou uma profissional como qualquer outra, e o que importa é minha capacidade de contribuir com o meu trabalho”, refletiu ao destacar a relevância das tecnologias assistivas, como legendas automáticas e sistemas de comunicação acessível, para sua produtividade. No entanto, Ivani acredita que o maior desafio não está nas limitações físicas, mas na falta de empatia. “Quando as pessoas não conhecem ou não entendem o que você enfrenta, tendem a desconsiderar as suas necessidades”. Para ela, a conscientização precisa ser constante. “Não basta oferecer ferramentas; é necessário garantir que toda a equipe compreenda a importância da acessibilidade”, defendeu ao ressaltar o papel crucial da legislação para garantir que as pessoas com deficiência não vivam à margem da sociedade.

“A inclusão permite que o talento seja valorizado”
Imagem mostra o servidor Faustto olhando para a câmera

Faustto Rocha, diretor da 11ª VT de Goiânia

A trajetória de Faustto Rocha, diretor da 11ª Vara do Trabalho em Goiânia, é outro exemplo notável de superação. Ele perdeu gradualmente a audição a partir dos sete anos, após um atropelamento que sua mãe só percebeu ter ocorrido porque ele não ouviu o som do veículo. Após esse incidente, recebeu diagnóstico de perda auditiva total no ouvido direito e parcial no esquerdo, possivelmente por sequelas da meningite que teve quando bebê.

A vida de Faustto mudou quando ele ganhou seu primeiro aparelho auditivo em uma campanha do município de Anicuns. O aparelho, aliado à leitura labial, o ajudou a se destacar como um dos melhores alunos da escola. Mas já sofreu discriminação. Ele contou que já foi rejeitado para ocupar uma vaga de trabalho numa farmácia em razão da deficiência. “Foi aí que percebi que só conseguiria vencer pelos estudos”, conta. Graduou-se em Direito e passou no concurso do TRT em 2003. “Entrei no tribunal pelas cotas, mas sou diretor há 13 anos, o que demonstra que a deficiência não limita a competência de ninguém”.

imagem mostra o servidor Faustto Rocha trabalhando no computadorEle acredita que servidores com deficiência, quando recebem oportunidade, tendem a se dedicar ainda mais para compensar suas limitações físicas. Ele ressalta que a inclusão permite que o talento da pessoa com deficiência seja valorizado e as instituições que promovem essa inclusão só têm a ganhar. “Enfrentei dificuldades, mas a tecnologia e o apoio dos colegas foram cruciais”, afirmou, destacando a importância das adaptações tecnológicas e do suporte institucional no ambiente de trabalho.

“Autismo não tem cara”
imagem mostra a servidora Ana Victoria Klovrza olhando para a câmera

Ana Victoria Klovrza, secretária de audiências da 9ª VT de Goiânia

Ana Victoria Klovrza, secretária de audiências da 9ª Vara do Trabalho de Goiânia, descobriu que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) há três anos, após longas idas e vindas a psicólogos e psiquiatras. Desde que assumiu o cargo há um ano, tem adotado uma rotina de trabalho com diversas estratégias para minimizar a sobrecarga sensorial, como o uso de fones abafadores de ruído, roupas largas e confortáveis e o controle do ar-condicionado para regular a temperatura da sala de audiências. “A compreensão e o apoio dos colegas foram fundamentais para minha adaptação. Poder controlar aspectos do ambiente, como temperatura e iluminação, ajuda significativamente”, relatou. 

Ana Victoria conta que, desde criança, se achava diferente das demais pessoas. Com o passar dos anos, ela aprendeu habilidades sociais para se adaptar, como olhar nos olhos das pessoas e saber o momento adequado para sorrir, embora isso nem sempre seja natural para ela. “É como uma máscara para atuar como um ser humano social”, explica. Apesar do esforço, a sobrecarga sensorial e o mascaramento são exaustivos. “Quando chego em casa, preciso de uma ou duas horas em um quarto escuro sem conversar com ninguém para recobrar minha energia”, confessa.

imagem mostra Ana Victoria Klovrza com fone de ouvidos no pescoço

O fone abafador de ruídos é um grande aliado no cotidiano da servidora

Ela destaca que o autismo é uma luta diária para aprender tarefas simples que, para outras pessoas, são naturais. “Se a gente hoje consegue socializar, ser bem-sucedido e consegue ter um trabalho e consegue se casar, é porque a gente lutou muito”. Ela reforça que o autismo não tem cara, por isso ela aderiu ao uso do colar de girassol, símbolo de conscientização sobre o autismo e outras deficiências ocultas. “Minimizar o sofrimento de uma pessoa autista pode causar um impacto profundo. Uma fala atravessada pode afetar muito o nosso dia, semana, ou até mesmo o ano”, alerta, destacando a importância da compreensão e da aceitação das individualidades.

 “Eu tinha medo de nunca escutar a voz do meu filho”

Rafael tinha dois anos de idade e estava no marco de desenvolvimento em que já deveria falar algumas palavras, mas o seu nível de comunicação era zero. Pensando tratar-se de problemas de fala, sua mãe Yara Felipe, servidora da 2ª Vara do Trabalho de Itumbiara, procurou ajuda de uma amiga fonoaudióloga. Um ano depois, após várias avaliações e visita a diversos especialistas, veio o diagnóstico de autismo. Hoje o Rafael tem quase seis anos e sua rotina conta com uma equipe multidisciplinar com atendimentos semanais em fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicoterapia comportamental e psicopedagogia. “O diagnóstico precoce foi fundamental. Um dos meus maiores medos era nunca ouvir a voz do meu filho”, diz Yara, sem conseguir conter a emoção.

imagem mostra a servidora Yara Felipe abraçando seu filho Rafael

Yara Felipe, servidora da 2ª VT de Itumbiara, é mãe de Rafael

Yara conta que o cardápio do filho inclui apenas quatro tipos de frutas e misto quente de pão com queijo, além do suco de laranja diluído, sua única bebida aceitável, pois algo simples como beber água lhe provoca vômitos. Desde que ele nasceu até os três anos de idade, Yara nunca tinha dormido mais do que duas horas seguidas. Isso só melhorou depois que o filho passou a tomar remédio para dormir. Além do filho, Yara também precisou fazer terapia e tomar medicação para conseguir lidar com o constante estado de alerta e a rotina exaustiva. Além do filho, o marido também é autista. “Tem dia que eu sento no chão do banheiro e fico quieta por uns instantes, porque é um desgaste muito grande. Aí na hora que eu sento para trabalhar, eu tenho que dizer: ‘respira, agora vamos concentrar nessa sentença porque eu sou assistente de juiz”, desabafa.

imagem mostra a servidora Yara Felipe

Yara Felipe faz parte do grupo de trabalho instituído na Justiça do Trabalho para mapear as condições de trabalho e acessibilidade de servidores e magistrados com deficiência

“Quando eu vou para a clínica com o Rafael a gente fica lá 4 horas, então eu abro o notebook e trabalho na clínica enquanto ele faz as sessões de terapia”. Para ela, a flexibilidade na jornada de trabalho e o teletrabalho são ferramentas fundamentais para conciliar as demandas profissionais e os cuidados necessários com seu filho. No entanto, ainda há muitos desafios, principalmente relacionados à falta de compreensão e empatia no ambiente de trabalho. “É preciso que todos os níveis do Tribunal compreendam que a concessão de condições especiais não é um favor, mas um direito. Precisamos de uma abordagem mais humanizada”, conclui. Yara Felipe faz parte do grupo de trabalho instituído pelo TST e CSJT com o objetivo de mapear e avaliar as condições de trabalho e acessibilidade de servidores e magistrados com deficiência, doença grave, necessidades especiais ou que tenham filhos/dependentes nessas condições. 

“Respeitar e entender as diferenças é fundamental”

Desde que teve diagnóstico de visão monocular após um deslocamento de retina em 2018, a juíza Samara Moreira de Sousa, titular da 1ª Vara do Trabalho de Rio Verde, enfrentou diversos desafios pessoais e profissionais, mas conseguiu continuar sua carreira graças ao teletrabalho, direito reconhecido pelo Pleno do TRT de Goiás há cerca de um ano. “Foi um alívio. A aprovação do Pleno me deu uma sensação de pertencimento. Eu senti que não era só mais uma pessoa com deficiência tentando manter meu trabalho, mas uma profissional que foi reconhecida pelas suas habilidades”, ressalta expressando sua gratidão aos desembargadores do TRT, em especial ao desembargador Geraldo Nascimento.

imagem mostra a juíza Samara Moreira de Sousa em uma mesa de trabalho olhando para a câmera

Samara Moreira de Sousa, juíza titular da 1ª VT de Rio Verde

Samara reconhece, no entanto, que foi preciso coragem para buscar condições especiais de trabalho, pois, segundo ela, ainda há falta de compreensão e burocracia para a pessoa com deficiência ter seus direitos reconhecidos. “Foi uma luta, mas consegui. O teletrabalho integral é essencial para mim, pois eu já não tinha mais condições de dirigir nem de estar longe de casa com dois filhos adolescentes e uma mãe idosa”, relatou ao lembrar que, devido à cegueira em um dos olhos, ela enfrenta muitas dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço. “Foi um choque. Eu era juíza volante, tinha mobilidade para dirigir e levar meus filhos a vários lugares. De repente, me vi presa. Não conseguia mais dirigir com segurança e sofri vários acidentes”, contou.

imagem de selfie da juíza Samara Moreira de Sousa

Juíza Samara Moreira de Sousa

A juíza acredita que a deficiência não limita a produtividade, no entanto ela avalia que o servidor ou magistrado que usufrui dos benefícios concedidos a pessoa com deficiência acaba se cobrando mais que os demais, o que é desgastante e pode afetar, inclusive, a qualidade de vida.  “A minha produtividade hoje é maior do que quando eu trabalhava presencialmente”, ressalta ao mencionar que existe um sentimento de ter que provar, o tempo todo, que a produtividade não será afetada pela deficiência. Samara, que assumiu o cargo de juíza há 20 anos, avaliou, por fim, que ainda há muito a ser feito para conscientização e inclusão da pessoa com deficiência. “Respeitar e entender as diferenças é fundamental”, concluiu. 

Atualmente, o quadro funcional do TRT de Goiás conta com 35 servidores e uma magistrada com deficiência.

A inclusão da pessoa com deficiência vai muito além do reconhecimento do direito dessas pessoas. É preciso conhecer, compreender e aceitar as individualidades de cada um.

LC/WF/FV

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