“A Força da Mulher” reúne especialistas e discute igualdade de gênero e o trabalho invisível de cuidado

Publicado em: 04/04/2025
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A imagem mostra um evento no Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), com três mulheres sentadas em poltronas pretas no centro de um auditório. Elas estão em um bate-papo formal, discutindo um tema relevante. O cenário tem um fundo de madeira clara com a inscrição "Justiça do Trabalho" em azul e amarelo.

Palestrantes debaten o papel da mulher na Justiça do Trabalho

A 2ª edição do evento A Força da Mulher trouxe ao Plenário Ipê, na manhã desta sexta-feira (4/4), duas palestrantes de peso: a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Morgana de Almeida Richa e a juíza do TRT-9 (PR) Ana Paula Sefrin Saladini, autora do livro O trabalho invisível de cuidado. O encontro, aberto ao público externo, foi realizado pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO) para encerrar as comemorações do Mês da Mulher.

A mediação da mesa ficou a cargo da juíza Laiz Alcântara Pereira, que emocionou o público ao compartilhar sua rotina pessoal de cuidado, mas que contou com uma rede de apoio para poder estar naquela hora no evento. “Somos assim, equilibramos força e delicadeza todos os dias”, disse, representando, na prática, o tema do evento.

Anfitriã do evento, a diretora da Escola Judicial, desembargadora Rosa Nair Reis, ressaltou logo no início da sua fala a urgência do reconhecimento do trabalho de cuidado, que ainda é pouco valorizado. “Apesar de sua importância inegável, este trabalho segue sendo tratado como uma obrigação natural das mulheres, sem o devido reconhecimento econômico, social e jurídico”, afirmou. “Iniciativas como ampliação da licença paternidade, incentivo ao trabalho remoto e implementação de programas de assistência são passos essenciais para promover uma divisão mais equitativa dessas tarefas”, avaliou, ao destacar que as grandes mudanças sociais foram impulsionadas pela coragem em questionar o status quo e pela determinação em buscar soluções concretas.

Em seguida, a vice-presidente do TRT-GO, desembargadora Iara Teixeira Rios, lembrou a relevância de manter viva a discussão sobre os direitos das mulheres para além do mês de março. “Temos muitas mulheres contribuindo para o desenvolvimento da Justiça, mas ainda é tímida a presença feminina nos cargos de chefia. Eventos como esse nos lembram da caminhada árdua de tantas mulheres antes de nós e das conquistas que ainda precisamos alcançar”, destacou a desembargadora. 

Iara Rios também lamentou os altos índices de violência contra a mulher no Brasil, comparando-os a uma epidemia silenciosa que precisa ser combatida. “Todas as instituições possuem a missão nobre e muito difícil de contribuir proativamente para mudar esses destinos, numa luta incessante contra todas as formas de violência e discriminação enfrentadas pelas mulheres”, concluiu.

“É preciso fornecer ferramentas proporcionais às dificuldades de cada indivíduo”
A imagem mostra uma mulher de pele clara e cabelos castanhos longos, vestindo um elegante conjunto roxo, falando em um púlpito de acrílico. Ela usa óculos e acessórios como pulseiras, anéis e um colar. Enquanto fala, gesticula com uma das mãos e segura um controle remoto na outra

Ministra do TST Morgana Richa 

Na primeira palestra, a ministra do TST Morgana Richa conduziu uma profunda análise sobre as desigualdades de gênero, combinando dados estatísticos, referências culturais e observações sobre as estruturas sociais que perpetuam o machismo e a exclusão das mulheres dos espaços de poder. Ela comentou a situação da mediadora do evento, que contou com rede de apoio para poder participar do evento, e afirmou que esse é o diferencial de uma sociedade mais civilizada e pronta para compartilhar tarefas. 

Morgana destacou a diferença entre igualdade formal e igualdade material, usando a metáfora de uma árvore cujos frutos estão em diferentes alturas. Segundo ela, oferecer os mesmos instrumentos a pessoas em situações desiguais, como prevê a igualdade formal, não é suficiente para garantir equidade. Para a ministra, é preciso fornecer ferramentas proporcionais às dificuldades de cada indivíduo, o que caracteriza a igualdade material. A ministra defendeu ainda que políticas públicas com ações afirmativas são fundamentais para corrigir distorções históricas e garantir que mais mulheres ocupem espaços de decisão no Judiciário.

“Igualdade de gênero não é algo dado, é construído”

Morgana Richa apresentou dados do Observatório Excelências Femininas, coordenado por ela no âmbito do CNJ. Ela mostrou que a presença feminina na magistratura ainda é desigual, principalmente nos tribunais superiores. Segundo levantamento de 2024, dos 100 ministros nos tribunais superiores, apenas 19 são mulheres. Nos cargos de desembargadores, 53% são homens e 47% mulheres. Ao apresentar dados do TRT-GO, a ministrou citou que atualmente há nove desembargadores para quatro desembargadoras, quantidade destoada do percentual nacional. Já no primeiro grau, Morgana mencionou a existência de 29 juízes titulares para 18 juízas titulares, mas 18 juízes substitutos para 23 juízas substitutas. “É muito gratificante ver que as mulheres estão cada dia ocupando mais e mais espaços”, avaliou. Apesar de reconhecer o avanço de resoluções do CNJ sobre o tema, ela alertou que mudanças estruturais ainda enfrentam resistência. 

Ao encerrar sua fala, a ministra ressaltou que a igualdade de gênero não é algo dado, mas sim fruto de um esforço coletivo e contínuo. “Essa construção cabe a nós que somos protagonistas do nosso tempo, mulheres e homens também, no sentido de realmente trazer outra panorâmica”, afirmou. Para ela, a geração atual, herdeira das lutas das mães e avós, tem a responsabilidade de promover a transformação necessária. “O papel de cada um de nós é que vai determinar a concretude dessa transformação”, concluiu.

“Aquilo que a gente faz dentro de casa não é só amor, é também trabalho”
A imagem mostra uma mulher de pele clara e cabelos castanhos cacheados, falando em um púlpito de acrílico com um microfone. Ela veste uma blusa estampada com tons de verde, marrom e bege. Seu semblante é sério e focado, indicando que está fazendo um discurso ou apresentação.

Juíza do TRT-9 (PR) Ana Paula Sefrin Saladini 

O trabalho invisível de cuidado – também título do livro de sua autoria –  foi o tema central da segunda palestra, proferida pela juíza do TRT-9 (PR) Ana Paula Sefrin Saladini. A magistrada explicou que cuidar de crianças, idosos ou da casa, de forma direta ou indireta, é um trabalho que sustenta a economia, embora não seja reconhecido no PIB, por uma decisão política, nem devidamente valorizado. “Aquilo que a gente faz dentro de casa não é só amor, é também trabalho”, afirmou, citando a feminista Silvia Federici para reforçar que o cuidado, remunerado ou não, precisa ser reconhecido como uma responsabilidade coletiva.

Segundo Ana Paula, a crise de cuidados ficou ainda mais evidente durante a pandemia, quando famílias se viram obrigadas a conciliar trabalho, educação e tarefas domésticas sem o suporte das estruturas sociais. Ela apontou a desigualdade de gênero como elemento central dessa sobrecarga, revelando que mulheres seguem acumulando jornadas exaustivas e sendo socializadas desde cedo para cuidar, enquanto os homens, mesmo quando contribuem, ainda usam a lógica da “ajuda”. “Não é ajuda. Cuidado é compartilhamento, é corresponsabilidade”, reforçou.

A magistrada comparou o trabalho de cuidado ao mito de Sísifo, dizendo que é como empurrar uma pedra montanha acima todos os dias, apenas para vê-la rolar de volta e ter que começar de novo. Segundo ela, esse esforço contínuo, repetitivo e solitário é pouco valorizado, raramente reconhecido e, quase sempre, não remunerado. “É como a louça na pia: você lava hoje, e amanhã está tudo lá de novo. E ninguém percebe que alguém teve que fazer”, exemplificou.

Ana Paula Saladini também destacou o conceito da “geração sanduíche”, pessoas, em especial mulheres, que cuidam simultaneamente dos filhos e dos pais, enfrentando uma sobrecarga emocional e física pouco reconhecida pela sociedade e pelo mercado de trabalho. Para enfrentar esse cenário, ela defende um tripé de ações: corresponsabilização, compatibilização e coletivização. O primeiro passo, segundo ela, é modificar a cultura desde a infância, promovendo uma socialização que ensine meninos e meninas que o cuidado é dever de todos. O segundo é compatibilizar o tempo de trabalho remunerado com o tempo necessário para cuidar, inclusive por meio de legislações que garantam, por exemplo, o direito ao teletrabalho em situações específicas. Por fim, defende a criação de estruturas coletivas, como creches para idosos, que funcionem nos moldes das já existentes para crianças, permitindo que cuidadores possam seguir em suas atividades profissionais.

A imagem captura um evento em um auditório moderno e bem iluminado, com um grande público atento à palestra de uma mulher vestida de roxo, que fala em um púlpito de acrílico. No primeiro plano, há duas cadeiras pretas e uma mesa central, sugerindo um formato de painel ou mesa redonda. À esquerda, uma mulher de vestido estampado está sentada, ouvindo atentamente. O auditório tem paredes de madeira, cadeiras organizadas em fileiras e um telão ao fundo.

Evento “A Força da Mulher” reúne especialistas para debater a presença feminina no mundo do trabalho

Por fim, Ana Paula Saladini mencionou uma pesquisa do Instituto Locomotiva, divulgada em março de 2025, que escancara o valor econômico oculto do trabalho doméstico e de cuidado realizado majoritariamente por mulheres no Brasil. Segundo o levantamento, se esse trabalho fosse remunerado, a renda mensal das mulheres aumentaria, em média, em R$ 834, o que representaria uma injeção de mais de R$ 900 bilhões por ano na economia brasileira. Ela também mencionou dados do IBGE, da Pnad, que apontam que as mulheres trabalham 21,4 horas por semana em trabalho de cuidado, enquanto os homens ficam com 10,4 horas por semana. “Isso significa que, a cada semana, as mulheres dedicam, em média, 11 horas a mais do que os homens ao cuidado não remunerado, o equivalente a quase um turno e meio de trabalho a mais por semana”, comparou.

A escritora ressaltou que nesse contexto, a mulher tenta comprimir o tempo para conseguir dar conta de tudo. “É a sobrecarga do invisível, que traz impactos físicos e mentais”, alertou. A magistrada acrescentou que o trabalho de cuidado é só visto quando não é feito. “A lógica do trabalho de cuidado é silenciosa: ele só se torna evidente quando não acontece. Ninguém elogia o chão limpo, mas todos reparam se ele estiver sujo”, ressaltou.

LN/FV

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