
A Justiça do Trabalho em Goiás passou por transformações profundas nos últimos 35 anos, superando a substituição do papel pelo digital e inaugurando uma cultura de inovação e tecnologia. A história dessa evolução é marcada por servidores e magistrados que protagonizaram mudanças, enfrentaram desafios e construíram soluções que tornaram o TRT-GO referência nacional em inovação, agilidade e transparência.
Nesta matéria, você vai ver como o som dos carimbos, o clique dos grampeadores e o ruído das máquinas de escrever deram lugar aos sistemas digitais e às ferramentas de inteligência artificial que tornaram a Justiça do Trabalho em Goiás mais moderna e dinâmica.
Na década de 1990, a rotina das Varas do Trabalho era quase artesanal. Pilhas de processos enchiam armários, livros de registros controlavam prazos, carimbos e máquinas de datilografar eram instrumentos de trabalho essenciais. Marcos Antunes, servidor já aposentado que se dedicou ao TRT-GO de 1991 a 2021, lembra que, no cadastramento de processos, numerava página por página manualmente. “Imagine você: caminhões chegavam ao tribunal carregados de processos físicos, vindos da Justiça Estadual, alguns com mais de 100 volumes, todos numerados e cadastrados à mão. Às vezes, o cadastramento exigia duas ou três pessoas. Se alguém errava a numeração, era preciso começar tudo de novo”, recorda.

O servidor Marcello Pena, diretor da 1ª VT de Goiânia, relata que, quando ingressou no tribunal, em 1984, os registros eram feitos em livros, as intimações datilografadas com papel carbono e a busca por processos exigia tempo e esforço dos servidores. E essas dificuldades também se refletiam no trabalho dos oficiais de Justiça da época. Olympio Carlos Moreira Júnior, assistente de juiz da 3ª Vara do Trabalho de Goiânia, está no TRT-GO desde 1998 e atuou por muitos anos no Setor de Mandados. Ele também se recorda desses tempos “analógicos”. “Precisávamos ir de vara em vara, pessoalmente, para saber se o devedor tinha feito algum pagamento antes de cumprir a penhora. Tudo era feito no olho e com papel na mão”, lembra Olympio.
Quem não se lembra dos tempos em que um simples papel perdido podia significar horas ou até dias de trabalho refeito? Cada processo era um conjunto de folhas amareladas que precisavam ser manuseadas com cuidado, carimbadas, grampeadas e arquivadas em ordem precisa. Jorge Machado, atual diretor de Comunicação Social do TRT-GO e que já passou por diferentes funções no tribunal, lembra bem desse cenário: “Ao assumir a 2ª Vara do Trabalho de Rio Verde em 2011, encontrei autos do piso ao teto, cerca de 1,8 mil processos a organizar em armários metálicos e controle de prazos feito à mão. A rotina era intensa e repetitiva, e a organização dos processos consumia horas diárias”, relembra.

Já no início dos anos 2000, o Brasil descobria o mundo digital. A internet era lenta e barulhenta, mas o simples ato de ligar uma máquina e ver a tela acender já parecia um salto para o futuro. Os computadores pessoais se tornaram objeto de desejo e as repartições públicas começaram a trocar as pastas de arquivo pelas primeiras telas luminosas. No TRT-GO, essa revolução também dava seus primeiros passos. Olympio lembra que, no final dos anos 1990, ele tinha um computador em casa, mas isso era raro, e que só depois de algum tempo conseguiu começar a usar a tecnologia na sua rotina de trabalho, ainda que de forma amadora: “Houve um tempo em que eu trazia os documentos num disquete e imprimia aqui para cumprir”, comenta.
Para estruturar a área de tecnologia da informação no TRT-GO, o servidor Humberto Ayres, analista de sistemas e especialista em gestão estratégica de TI, veio de Brasília, onde atuava no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO), no ano de 1997, com a missão de organizar e modernizar o recém-criado Regional. Encontrou um tribunal com poucos computadores, sem site próprio e ainda muito dependente do papel. Sua primeira meta foi montar a base tecnológica capaz de substituir fichas e planilhas manuais. Assim, foi criado um dos primeiros sistemas administrativos do tribunal, o SAP-ADM, para informatizar fichas e planilhas manuais e permitir o acompanhamento eletrônico dos processos internos.

Em relação à tramitação judicial, a grande virada dessa transformação foi a criação de um sistema eletrônico próprio para automação e acompanhamento de ações trabalhistas, o SAJ-18. Segundo Humberto, esse sistema integrou de fato o fluxo entre as unidades e tirou a dependência do papel. Assim, a partir de 2007, o TRT-GO passou a disponibilizar peças pela internet e a receber peticionamento eletrônico. “O efeito foi imediato nos balcões das varas: esvaziaram, porque advogados passaram a acompanhar tramitações em tempo real e a receber notificações por e-mail”, lembra Humberto.
Entre os servidores que abraçaram a novidade com curiosidade e iniciativa está Dayana Moreira, hoje diretora da 14ª Vara do Trabalho de Goiânia. Quando ingressou no TRT-GO, em 1998, em Ceres, encontrou um computador desligado em um canto da sala e decidiu explorá-lo. “Aprendi sozinha a usar o SAJ e comecei a cadastrar todos os processos no sistema. Isso mudou completamente o fluxo de trabalho e reduziu o tempo de busca por informações”, conta. O interesse de Dayana pela tecnologia logo a transformou em multiplicadora: ela passou a ensinar colegas de outras varas a utilizar o sistema e a enxergar nas telas uma aliada, não uma ameaça.

O servidor Marcos Antunes recorda que, em 2007, já atuando como diretor da Secretaria Geral Judiciária, esse primeiro passo concreto rumo à eliminação do papel foi muito marcante. “No início, o SAJ era apenas de consulta processual e foi brilhantemente adaptado pela nossa equipe da informática com as funcionalidades que nós da área judiciária precisávamos”, aponta o servidor destacando o trabalho conjunto entre as duas áreas para atender as demandas das Varas. Em 2011, o SAJ já estava implantado em 100% das varas do trabalho de Goiás, tornando o TRT-GO referência nacional.
A inovação também avançava na área administrativa. Ângela Marisa Oliveira, analista de sistemas com larga experiência em tecnologia, chegou ao TRT-GO em 2009 e coordenou o desenvolvimento de soluções que consolidaram o tribunal como referência digital. Ela coordenou a criação de sistemas importantes como o e-Petição, que permitiu aos advogados enviarem processos pela internet, diretamente dos seus escritórios, e liderou o desenvolvimento do SisDoc, sistema que possibilitou a tramitação totalmente eletrônica dos processos administrativos. Segundo ela, o desafio foi mais cultural do que técnico, pois foi preciso um trabalho de conscientização para que as pessoas confiassem que os processos não iriam sumir. “Nada sumia. As exclusões eram apenas lógicas, o que preservava trilhas e dava segurança a quem migrava de gavetas e carimbos para telas e logins”, explica a analista.
Em 2010, a Justiça do Trabalho deu um passo decisivo rumo à unificação digital ao aderir oficialmente ao Processo Judicial Eletrônico (PJe). A iniciativa nacional buscava criar um sistema único de tramitação eletrônica de processos, integrando todos os tribunais trabalhistas do país em uma mesma plataforma. Após os projetos-piloto lançados em 2011 e 2012, em varas de Santa Catarina, Ceará e Mato Grosso, o sistema começou a se expandir gradualmente pelos regionais. Nesse contexto, o TRT de Goiás iniciou a implantação do PJe em 2012, pela Vara do Trabalho de Luziânia, marcando o início de uma nova era digital.
A mudança, no entanto, trouxe grandes desafios. O novo sistema ainda era incipiente, com falhas estruturais e ausência de funcionalidades essenciais, como o controle de estatísticas e a fase de execução. Segundo Humberto Ayres, que coordenava a área de TI do tribunal, “a transição exigiu criatividade e paciência. Era o início de uma cultura de colaboração entre os tribunais para construir juntos uma Justiça digital e integrada”.

Para o diretor-geral da época, Álvaro Resende, a chegada do PJe representou não apenas uma inovação tecnológica, mas uma mudança de paradigma administrativo. “A implantação do PJe exigiu mais do que trocar de sistema, foi uma transformação cultural. Nosso desafio era preparar o tribunal para essa nova forma de trabalhar, garantindo infraestrutura, capacitação e, sobretudo, apoio humano. Foi preciso mostrar que a tecnologia só faz sentido quando serve às pessoas, e à Justiça.”
Segundo os servidores que acompanharam essa mudança, o SAJ era um sistema estável e amplamente aceito por juízes, advogados e servidores, enquanto o PJe ainda “engatinhava”. Marcos Antunes recorda que, em março de 2013, por exemplo, o tribunal chegou a registrar interrupções constantes e perda temporária de processos na tramitação entre primeiro e segundo graus. “Era comum o processo ‘sumir’ no caminho do recurso”, recorda. “Havia filas de advogados e reclamações diárias.” Para resolver essa situação, o TRT-GO rapidamente criou um núcleo só para atendimento de questões ligadas ao PJe, que mais tarde se tornaria uma unidade específica que até hoje tem um papel importante no atendimento das demandas relativas ao sistema.
Marcello Pena também relembra o impacto da implementação do PJe e as dificuldades no dia a dia. “A gente até brincava que o sistema dava muito ‘erro inesperado’, mas a gente dizia que era um erro esperado, porque acontecia muito”, conta, rindo. Apesar dos percalços, ele reconhece que a adaptação trouxe agilidade e reduziu a lentidão que marcava os processos físicos. “Tivemos que trabalhar a cabeça de cada um para irmos aos poucos nos desvinculando do SAJ e entendendo as novas possibilidades do PJe”, afirma.

Nos primeiros meses, autos físicos e digitais conviveram lado a lado, duplicando tarefas e exigindo uma força-tarefa de digitalização. Mesmo diante das dificuldades, a implantação avançou: ao final de 2013, 65% das varas do trabalho já operavam no PJe. A resistência foi vencida com treinamentos intensivos, núcleos de suporte técnico e uma integração inédita entre as áreas Judiciária e de Tecnologia da Informação, que chegou a desenvolver soluções próprias, como a consulta processual via portal do TRT, inexistente no PJe original e depois adotada por outros tribunais. “Com o PJe, o trabalho nas varas mudou completamente o atendimento no balcão. Deixou de ter o trabalho de procurar processos em gavetas, em gabinetes. A principal melhoria foi a agilidade dos processos”, avalia Marcello Pena.

A partir de 2014, com o amadurecimento do sistema e as melhorias promovidas pelo CSJT, o PJe passou a operar de maneira mais estável e alcançou todas as varas do trabalho. Atualmente, o desenvolvimento e a manutenção seguem um modelo colaborativo entre os regionais, sob a coordenação do CSJT. Segundo Murilo de Barros Carneiro, diretor da STI, “os tribunais atuam em rede, cada um desenvolvendo módulos específicos. O TRT-GO, por exemplo, é responsável pela consulta processual pública e pelo Nugep, o sistema de gerenciamento de precedentes da Justiça do Trabalho”.
Humberto Ayres complementa que essa revolução não se limitou à tecnologia, mas transformou também o modo de pensar e trabalhar dentro da Justiça do Trabalho. “Nós conseguimos consolidar uma cultura de colaboração entre os tribunais. Padronizamos infraestrutura, sistemas e políticas de segurança, o que permitiu trocas de conhecimento, compras em escala e capacitação integrada. Isso garantiu que mesmo os tribunais menores tivessem o mesmo padrão tecnológico dos grandes”, destacou o servidor, que coordenou a área de TI do tribunal por mais de 10 anos e hoje é responsável pela Secretaria de Governança e Gestão Estratégica do TRT-GO.

A transformação digital no TRT-GO veio acompanhada da incorporação da sustentabilidade como eixo da sua agenda tecnológica. Segundo IL José Oliveira e Rebouças, diretor da Secretaria de Infraestrutura e Operações de TI, o avanço tecnológico abriu espaço para otimizar recursos e repensar hábitos, especialmente em relação à redução do consumo de papel e energia: “Em 2015, quando entrei no TRT-GO, já 100% digital, não fazia sentido manter tantas impressoras. Fizemos um trabalho de conscientização e reduzimos o parque de impressoras de mais de 400 equipamentos que haviam na época para cerca de 120 unidades”, ressalta. A mudança foi mais do que técnica, envolveu engajamento, conscientização e mudança na cultura institucional. “Foi um trabalho de cinco anos. Precisamos mostrar que imprimir tudo não era mais necessário”, explica IL José.
Essas práticas consolidaram um modelo de gestão sustentável da tecnologia. IL José destacou que cada área ou servidor também pode contribuir com a inovação e sustentabilidade do Tribunal. “Nós temos canais disponíveis no TRT-GO para que qualquer servidor proponha ideias de soluções tecnológicas, democratizando a inovação”, afirmou. Ele explica que, por meio do processo administrativo digital, é possível propor melhorias nas rotinas de trabalho, que são analisadas por um comitê e encaminhadas para a administração.
A base tecnológica construída ao longo dos anos, fruto de planejamento, inovação e visão de futuro, foi decisiva para que o TRT-GO enfrentasse um dos maiores desafios da sua história recente: a pandemia de covid-19. Quando, em março de 2020, o país parou de forma repentina, o Tribunal já estava preparado, ainda que sem perceber, para continuar funcionando integralmente no ambiente digital.
Graças aos investimentos anteriores, o TRT-GO migrou rapidamente para o teletrabalho, garantindo a continuidade da prestação jurisdicional. “Todos os nossos sistemas já eram eletrônicos, não havia mais processos físicos. Isso fez toda a diferença”, lembra Ângela Oliveira. “No dia em que fomos para casa, continuamos trabalhando normalmente, porque já tínhamos estrutura e acesso remoto. Essa preparação, construída ao longo dos anos, permitiu que a Justiça do Trabalho passasse pela pandemia sem interrupções”, destacou.
Mesmo com a maioria dos servidores em home office, parte da equipe da TI manteve-se presencial para garantir o pleno funcionamento do tribunal. “Algumas pessoas ligavam chorando, e a gente acolhia, com empatia e cuidado. Acho importante falar disso, porque a TI teve um papel importantíssimo durante a pandemia”, recorda IL José. Se, por um lado, a equipe da TI atuou de forma proativa para atender às demandas do tribunal, a rotina nas demais unidades também precisou se reinventar.
Dayana Moreira, diretora da 14ª Vara do Trabalho de Goiânia, conta que o desafio foi conciliar produtividade e vida familiar: “Na pandemia, reorganizei a vida para começar a jornada às 4h da manhã e manter o ritmo com filhos pequenos. A tecnologia foi essencial para que o trabalho não parasse.” De fato, as ferramentas de videoconferência, balcões virtuais e processos inteiramente digitais foram essenciais para que a Justiça não parasse no período crítico da pandemia.


Com sistemas cada vez mais integrados e o avanço das ferramentas de inteligência artificial, a Justiça do Trabalho em Goiás vive uma nova etapa da sua transformação digital. A chegada da IA representa o capítulo mais recente dessa revolução tecnológica que começou com os primeiros computadores e hoje redefine a forma de trabalhar, aprender e decidir. Olympio é um dos servidores que participa de grupos de estudo para integrar a IA às rotinas de trabalho. “Eu estudo, testo e comparo os resultados. A IA ajuda muito, mas não substitui o servidor. É preciso saber usá-la com consciência”, afirma.
Murilo Carneiro reforça que a IA deve ser usada apenas em soluções oficiais e institucionais, como ChatJT (Corisco), Gemini e Notebook LM, para garantir segurança de dados e confiabilidade. “Sempre cito a inteligência artificial como um auxílio que indiscutivelmente precisa da revisão. A gente não precisa ter medo, mas precisa ter conhecimento. É isso que garante o avanço tecnológico a serviço da Justiça”, explica. Dayana vê na inteligência artificial uma parceira de trabalho, capaz de tornar a redação mais clara, facilitar a síntese de textos e agilizar a degravação de audiências. Para ela, essa tecnologia liberta servidores das tarefas repetitivas, permitindo maior foco em inovação e empatia no trabalho.

Já para Ângela Oliveira, a IA só cumpre seu papel quando usada com discernimento. Ela destaca que a ferramenta é realmente útil “desde que o usuário conheça o assunto o suficiente para identificar possíveis erros”. Para a analista, a IA deve ser uma aliada da expertise humana, um apoio que amplia a eficiência sem substituir o olhar técnico e crítico de quem a utiliza.
O diretor-geral do TRT-GO, Álvaro Resende, destaca que a consolidação digital do tribunal é fruto de uma visão de longo prazo e de uma gestão baseada em dados. “A tecnologia deixou de ser apenas ferramenta e passou a ser parte da estratégia institucional. Estruturamos escritórios de processos, projetos e riscos, criamos painéis de monitoramento e fortalecemos a governança digital. O aprendizado com momentos desafiadores, como o incêndio de 2015 e a pandemia da Covid-19, reforçou nossa capacidade de planejar e reagir com segurança. Hoje, o TRT-GO está preparado para o futuro, com inovação, resiliência e pessoas comprometidas com o propósito público.”

A trajetória da digitalização no TRT-GO é marcada por aprendizado, superação e colaboração. Servidores como Jorge Machado, IL José, Humberto Ayres, Olympio Moreira, Ângela Oliveira, Marcos Antunes, Murilo Carneiro, Dayana Moreira, Marcello Pena e Álvaro Resende mostram que a transformação vai muito além de sistemas: é cultural, humana e estratégica.
Mais do que modernizar processos, a história do TRT-GO revela que inovação é também sobre pessoas, sobre quem sonha, testa, corrige e compartilha conhecimento. Quando a tecnologia se une ao cuidado e à liderança, ela fortalece não apenas a Justiça do Trabalho, mas toda a sociedade.
Acompanhe nossa série especial de reportagens em comemoração dos 35 anos do TRT-GO. Confira na próxima semana a última reportagem, em que você vai conhecer algumas das ações que fazem parte do compromisso social do tribunal.
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