O trabalho escravo foi tema das duas palestras da tarde de quarta-feira, 11/9, na 2ª Semana Jurídica do TRT-GO. O gestor regional do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante (PETE+), desembargador Mário Bottazzo, agradeceu à Escola Judicial do TRT-GO por incluir essa pauta na programação do evento e registrou as presenças de várias autoridades que atuam no enfrentamento do trabalho escravo e do tráfico de pessoas em Goiás. Entre elas, estavam representantes do Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO), Polícia Federal, Ministério do Trabalho e Emprego, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de Goiás e integrantes da Advocacia.
O desembargador Bottazzo ressaltou ainda a importância do trabalho dos juízes Édison Vaccari, também gestor regional do PETE+, e João Rodrigues Pereira, integrante do Fórum Nacional do Poder Judiciário para o Combate ao Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Fontet). João Rodrigues é o representante da Justiça do Trabalho entre os integrantes dos demais tribunais goianos (TJ-GO e TRF1).
Trabalho doméstico
A juíza do TRT da 10ª Região (DF/TO) Maria José Rigotti abriu a programação com o tema “Trabalho escravo doméstico”. Ela fez uma contextualização histórica, do período colonial escravocrata no Brasil até os dias atuais, para trazer ao público os aspectos da precarização, invisibilidade e desvalorização do trabalho doméstico. Rigotti exibiu dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre o perfil socioeconômico desses trabalhadores, que compõem a maior categoria de trabalho do país. A maioria, 91,4%, é formada por mulheres negras e de baixa escolaridade. Ainda segundo o instituto de pesquisa, as trabalhadoras domésticas negras/pardas têm remuneração menor do que as trabalhadoras brancas.
Ao tratar da desigualdade jurídica, Maria José Rigotti disse que as trabalhadoras domésticas foram praticamente excluídas do artigo 7º da Constituição Federal de 1988, que elenca os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e só passaram a ter seus direitos trabalhistas e previdenciários assegurados com a Emenda Constitucional 72/2013 (PEC das Domésticas). A justificativa para essa exclusão, conforme apontou a juíza, pode ser percebida em narrativas como “não geram lucro” e “são da família”, por exemplo.
Maria José Rigotti citou ainda a alta informalidade, que atinge 70% das trabalhadoras domésticas, chamou a atenção para a possibilidade de o empregador não assinar a carteira se a pessoa, no caso da diarista, trabalhar até dois dias por semana e falou do dano previdenciário imenso para essas trabalhadoras. “Elas não podem nem adoecer. Elas perdem a renda se acontecer alguma coisa com elas”, frisou.
Ao comentar os casos de resgastes de trabalhadores em situação análoga à escravidão, a juíza do TRT-DF/TO disse que o trabalho doméstico semelhante à escravidão é reduzido, ocorrendo em menor número, mas é extremamente cruel. “Uma mulher resgatada do trabalho doméstico escravo é uma vida roubada”, enfatizou Rigotti, citando um caso divulgado recentemente na mídia, no qual uma idosa de 94 anos foi resgatada da casa de uma família para a qual trabalhava há mais de 60 anos. “Temos que ter vergonha disso e denunciar quando soubermos que existe!”, acrescentou.
Protocolo
Na sequência, a juíza do TRT da 23ª Região (MT) Claudirene Ribeiro falou aos magistrados e servidores presentes sobre o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo. Ele é um dos três protocolos lançados em 19 de agosto deste ano pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) para orientar a magistratura trabalhista a considerar, em suas decisões, desigualdades históricas e estruturais em temas como o do trabalho escravo.
O protocolo tema da palestra é dividido em dois capítulos. O primeiro traz um histórico do trabalho escravo, conceitos importantes como trabalho forçado e jornada exaustiva, e fatores que devem ser levados em consideração para análise de ações que tratam de trabalho escravo. O segundo capítulo contém um guia para análise e julgamento de processos envolvendo trabalho análogo ao de escravo, abordando, por exemplo, aspectos como a condução empática e acolhedora na instrução processual.
Claudirene Ribeiro ressaltou que o trabalho escravo é uma prática que continua em nosso meio e alertou que “enquanto nos recusarmos a enxergá-la ou enxergá-la a partir dos nossos vieses cognitivos carregados de estereótipos, nós certamente não a combateremos”. A juíza afirmou que não dá para trabalhar processos com essa temática com modelinhos prontos e que o protocolo tem a ideia de facilitar o trabalho dos juízes.
A palestrante afirmou que assim como as pessoas em geral têm vergonha de admitir que caíram em um golpe, as vítimas de trabalho escravo também têm vergonha de reconhecer que caíram no golpe das promessas de que vão ter um bom trabalho e conseguir um salário que lhes permitirá ajudar a família. Para Claudirene Ribeiro, é muito importante que a vítima de trabalho escravo seja tratada com empatia porque, dependendo de como ela é tratada numa Vara do Trabalho, ela nem volta mais para dar seguimento à sua reclamação. Ressaltou ainda a necessidade do uso de uma linguagem simples, assunto que foi tema de palestras no segundo dia da 2ª Semana Jurídica da Ejud 18.
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WF/FV
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