


Numa avenida movimentada, parei no semáforo. Havia um menino na ilha, sentado no chão. Chovia. Ele chorava alto, um choro sentido. Abri a janela. Perguntei o que tinha acontecido. O menino de uns sete anos ou menos explicou em soluços que um colega havia roubado os seus cinco reais, da venda de algumas jujubas. Meu Deus, pensei, daria o mundo a ele agora, daria tudo que tivesse na bolsa. Dei apenas a minha compaixão e o pouco de dinheiro que tinha. Ele pegou a nota e continuou a chorar, como se tivessem lhe arrancado o coração. Talvez fosse uma dor antiga, dor de menino que trabalha no relento, que tem que levar alguma coisa para casa, que talvez não tenha para onde voltar, que talvez não tenha pai, mãe que o acalente. Que traz a dor do mundo no peito, de ter de trabalhar enquanto podia só brincar. A minha inércia me machucou, também chorei, me compadeci.
Essa cena aconteceu de verdade, há alguns anos, e reflete uma realidade que, apesar dos avanços, ainda é alarmante. É um lembrete contundente de que, por trás dos números e das campanhas, o trabalho infantil ainda é uma cruel realidade. É por isso que, em 12 de junho, o mundo se une para o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, uma data instituída pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002. Ele surgiu para conscientizar governos, organizações, empresas e a sociedade em geral sobre a necessidade de combater o trabalho infantil e garantir que crianças e adolescentes tenham acesso à educação, saúde e lazer.
Mas o que, de fato, configura o trabalho infantil? É toda forma de trabalho exercida por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida por lei (geralmente 16 anos no Brasil, salvo em situações de aprendiz a partir dos 14 anos). Mais do que uma violação legal, o trabalho infantil retira dessas crianças e adolescentes oportunidades fundamentais para o seu desenvolvimento físico, emocional, social e educacional, perpetuando ciclos de pobreza e vulnerabilidade.
Desembargadora Kathia Albuquerque
A desembargadora do TRT-GO Kathia Albuquerque, uma das gestoras regionais do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, ressaltou a necessidade de reflexão diária sobre a proteção das crianças e o direito delas a essa proteção. “O futuro do nosso país e do mundo está nas nossas crianças”, afirmou a desembargadora, destacando a importância de conscientizar a sociedade e as instituições sobre a necessidade de combater o trabalho infantil.
Albuquerque enfatizou que lugar de criança é na escola, brincando, sendo bem tratada e tendo direito a uma educação digna. “Precisamos olhar para dentro de nós e perceber que essas crianças precisam de nós. Temos que estar disponíveis para elas”, declarou a desembargadora, reafirmando seu compromisso pessoal e profissional com a causa do combate ao trabalho infantil.
A juíza Antônia Helena Taveira, titular da 14ª Vara do Trabalho de Goiânia, e também gestora do programa, destacou que o princípio constitucional da proteção integral e prioritária da criança e do adolescente exige priorizar a implementação de políticas públicas básicas para estes cidadãos. “Mas é de suma importância, também, a conscientização e mobilização da sociedade no desenvolvimento de ações que se convertam em proteção efetiva. Vamos dizer sim às nossas crianças!!!”, salientou.
Segundo a juíza Laiz Alcântara, que também atua como gestora do programa, o enfrentamento do trabalho infantil exige uma ação conjunta e consciente de todos os setores da sociedade. “Não basta apenas proibir. É preciso oferecer alternativas concretas. A aprendizagem profissional é uma dessas soluções potentes: ela garante ao jovem um ambiente de trabalho digno, com formação técnica e cidadã e, ao mesmo tempo, permite ao setor produtivo formar mão de obra qualificada e engajada”, afirmou.
Juíza Antônia Helena Taveira
Para a juíza, investir na formação desses jovens é romper o ciclo da pobreza e do subemprego, especialmente entre os mais vulneráveis, e oferecer uma verdadeira chance de futuro. “Empresas, governo, escolas e famílias precisam compreender que a qualificação profissional do jovem é uma porta de entrada para a cidadania plena e para a construção de um país mais justo e desenvolvido”, concluiu a magistrada.
A realidade daquele menino no semáforo ecoa em estatísticas que, apesar de mostrarem avanços, ainda são alarmantes. Segundo a OIT e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), ainda existem cerca de 160 milhões de crianças trabalhando no mundo — a maioria em atividades perigosas e exploradoras. No Brasil, apesar dos avanços nos últimos anos, o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil foi de 1,6 milhão, representando 4,2% desse grupo etário, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE, divulgada em 2023.
No entanto, é importante destacar que esse é o menor contingente registrado desde o início da série histórica em 2016. Esse resultado representa uma redução de 14,6% em relação a 2022, quando havia 1,881 milhão de crianças e adolescentes nessa situação. A queda é atribuída a fatores como a melhora da renda domiciliar per capita, o aumento do rendimento médio e a ampliação da cobertura do programa Bolsa Família.
Juíza Laiz Alcântara
Apesar da redução, o trabalho infantil ainda é uma realidade para muitos jovens no país. A pesquisa ainda revelou que cerca de 586 mil crianças e adolescentes exerciam em 2023 as piores formas de trabalho infantil, que envolvem risco de acidentes ou são prejudiciais à saúde, e que a maioria dos trabalhadores infantis eram meninos (65,1%) e pretos ou pardos (65,2%). Além disso, a taxa de escolarização entre crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil era de 88,4%, inferior à taxa de 97,5% observada entre aqueles que não trabalhavam. Esses dados reforçam a importância de políticas públicas e ações sociais voltadas para a erradicação do trabalho infantil e a promoção dos direitos das crianças e adolescentes.
O trabalho infantil viola direitos fundamentais e perpetua o ciclo de pobreza. Crianças que trabalham têm menos acesso à educação, sofrem maior risco de acidentes, exploração e violência, e têm a saúde comprometida.
No Brasil, o dia 12 de junho é lembrado com campanhas e ações coordenadas pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e diversos órgãos governamentais e entidades da sociedade civil, incluindo o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO). A atuação de instituições como o TRT é fundamental na fiscalização, no julgamento e na promoção de ações de conscientização para combater essa chaga social e garantir o futuro de nossas crianças.
Se você presenciar ou tiver conhecimento de alguma situação de trabalho infantil, denuncie! Sua ação é fundamental para proteger crianças e adolescentes:
🔴 Disque 100 (Disque Direitos Humanos)
É um canal gratuito, 24 horas por dia, que recebe denúncias anônimas e as encaminha para órgãos competentes.
🔴 Ministério Público do Trabalho (MPT)
Por meio do site www.mpt.mp.br ou pelo aplicativo MPT Pardal, é possível denunciar casos de trabalho infantil, de forma sigilosa.
🔴 Conselhos Tutelares
Podem ser acionados para atuar na proteção dos direitos de crianças e adolescentes em situações de trabalho infantil ou outras violações.
🔴 Aplicativo Proteja Brasil
Aplicativo desenvolvido pela OIT e pelo governo federal, onde é possível denunciar casos de trabalho infantil e outras violações dos direitos das crianças.
A história daquele menino no semáforo é um lembrete vivo de que a luta contra o trabalho infantil é um dever de todos. Com informação, denúncia e a atuação incansável de instituições e cidadãos, podemos assegurar que todas as crianças tenham a chance de viver sua infância plenamente, brincando, estudando e construindo um futuro digno, longe de qualquer tipo de exploração. Que o 12 de Junho seja um dia para reafirmar nosso compromisso com cada sorriso e cada direito violado.
FV/WF/JA/LN
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