Programa História Oral: Conheça a trajetória do servidor Divino Caetano, remanescente da 3ª Região

Glossário Jurídico

Divino Caetano

Preservar o passado de uma instituição não significa guardá-lo em arquivos, mas sim dá-lo a conhecer a quem possa admirar os seus feitos. Contribuirá, assim, para a produção de conhecimento, para o desenvolvimento da instituição e até para a transformação do indivíduo e da sociedade.

A História Oral é o trabalho de pesquisa que faz uso de fontes orais, coletadas por meio de entrevistas gravadas, em diferentes modalidades. No TRT18, consiste na gravação de entrevistas e na edição dos depoimentos, sem aprofundamento teórico-metodológico. Recentemente, tivemos o prazer de ouvir o depoimento de um dos servidores mais antigos do tribunal ainda na ativa, o senhor Divino Caetano.

Divino Caetano, ou Divininho – como é conhecido, serve há 39 anos na Justiça do Trabalho. Assumiu vários cargos de confiança neste Tribunal. Nasceu em Anicuns, Goiás, no dia 5 de julho de 1957. Desde os sete anos ajudava seus pais na roça fazendo todo tipo de serviços, quer plantando milho, arroz e feijão, quer lidando com os animais. Fascinado por aviões, o magrelo rapazinho sonhava em ser piloto de avião, mas desistiu quando percebeu que se tratava de uma profissão perigosa.

Iniciou sua vida laboral, com carteira assinada, aos 18 anos, na Eletronorte – Centrais Elétricas do Norte do Brasil. Primeiramente, trabalhando em serviços gerais e depois como mensageiro (office boy). Logo surgiu a oportunidade de prestar seu primeiro concurso público, pelo antigo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Conseguiu o primeiro lugar para o cargo de datilógrafo; por isso, teve o privilégio de escolher, numa lista com mais de 20 órgãos públicos federais, o Ministério da Indústria e Comércio, no Distrito Federal, em 1978.

Seu ingresso na justiça trabalhista deu-se em setembro de 1980, quando prestou seu segundo concurso público, desta vez para o TRT da 3ª Região, tribunal ao qual Goiás era jurisdicionado. Quando da instalação da 10ª Região, optou por esta. Sempre trabalhou nas Juntas de Conciliação e Julgamento do Estado de Goiás, tanto que optou pela fixação na jurisdição da 18ª Região, quando se instalou a Corte goiana.

Remanescente da 3ª Região, em seus depoimentos ao Programa História Oral, Divino Caetano relata quão difícil era trabalhar naquela época, pois havia apenas três Juntas no Estado, ou seja, duas na capital e uma em Anápolis. Conta que tudo dependia da sede, em Belo Horizonte. Serviços que não eram atribuição dos servidores acabavam resolvidos por eles mesmos, como: desentupimentos de banheiros, pequenas reformas, problemas elétricos, dentre outros. E não foram poucas as vezes que, por iniciativa própria, os servidores corrigiam os problemas, caso contrário, deveriam esperar liberação de verba, pela sede, para contratar um prestador de serviço. Os materiais de secretaria, por exemplo, chegavam via malote, demorando em média 30 dias, sendo que em muitas das vezes, os pedidos eram atendidos parcialmente. Conta que, em algumas circunstâncias, precisavam ser socorridos pelos sindicatos, por meio dos juízes classistas.

Divino é uma espécie de servidor polivalente, versátil, disposto e de confiança. Por diversas vezes foi convocado para realizar diligências junto ao agronegócio, empresas rurais, fazendas e sítios. Segundo ele, é capaz de realizar esse trabalho com certa facilidade, uma vez que aprendeu a lidar com tais situações quando ainda muito jovem.

Na entrevista ao Programa História Oral, relatou dois momentos marcantes em sua trajetória nesta Especializada. Ocasiões em que precisou se municiar de muita firmeza e sabedoria no enfrentamento de questões extremamente difíceis. Um desses momentos aconteceu no ano de 2008, enquanto diretor da Secretaria de Mandados Judiciais, quando foi designado para cumprir uma diligência na Fazenda Santa Maria, no município de Trindade, Goiás, resultante de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho de Goiás, a qual tramitava na 8ª Vara do Trabalho de Goiânia.

Arrendada a terceiros, a fazenda era especializada no plantio de sementes de capim. Ali, mais de 60 trabalhadores rurais, provenientes do Nordeste, viviam em situação análoga à de escravos. Havia mais de 90 dias que não recebiam seus salários, sem registro na CTPS, vivendo em condições sub-humanas, alojados em redes sob as mangueiras, tomando água do córrego contaminada pelo chiqueiro, alimentando-se apenas de arroz e feijão.

Após inspeção judicial, realizada pela juíza Elza Candida Silveira, presidente da 8ª Vara à época, pelo Ministério Público do Trabalho, pela Delegacia Regional do Trabalho e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Trindade, os arrendatários foram afastados da propriedade e Divino foi designado para administrá-la. Por inciativa própria, respaldou-se devidamente, solicitando o acompanhamento de um representante daqueles três órgãos, para que no futuro não emergisse suspeita sob sua pessoa e a administração temporária daquela da fazenda.

Ficou acordado que o presidente do sindicato local o acompanharia naquela empreitada. Já com a fazenda sob seu controle, vivenciando aquela situação calamitosa de perto, imediatamente providenciou alojamentos, alugando casas na cidade e banheiros químicos. Sabedor da necessidade de uma colheita imediata, sob pena de se perder toda a plantação, providenciou a usinagem e a venda das sementes.

Com 35 dias à frente daquela jornada, já havia quitado os três meses de salários atrasados, bem como a dívida dos fornecedores: açougue, posto de gasolina e supermercado. Com a venda final da produção de sementes, foi providenciada a assinatura das CTPSs dos trabalhadores, bem como o recolhimento dos encargos sociais. As multas impostas pela justiça foram pagas em forma de cestas básicas para o asilo da cidade e a confecção de centenas de cartilhas, distribuída pelos sindicatos da região, informando os direitos dos trabalhadores rurais.

Aquela empreitada durou em torno de quatro meses. Ao final, Divino providenciou o transporte exclusivo aos trabalhadores que quiseram retornar às suas terras de origem. Prestou contas, em audiência, de tudo o que foi realizado à presidente da 8ª Vara – juíza Elza Cândida – ao Ministério Público do Trabalho e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Trindade. Acreditem: ainda sobraram 60 mil reais em conta. Naquela audiência de prestação de contas foram propostos, pelo procurador Antônio Carlos do MPT, honorários à pessoa do Divino, pelos serviços realizados, mas que foram prontamente recusados. Divino apenas aceitou o registro, em seus assentos funcionais, de menção elogiosa pela excelência no cumprimento daquela missão.

O maior desafio de sua carreira, entretanto, ainda estava por vir. Em 2010, à frente de uma comissão que contou com mais dois oficiais de Justiça do nosso Tribunal e com o apoio da Polícia Federal e da Polícia Militar do Estado de Goiás, foi designado para proceder a penhora do maior latifúndio pertencente a um único dono no Brasil. Tratava-se da Fazenda Piratininga, um mundaréu de terras, concentradas no município de São Miguel do Araguaia, onde o Estado faz divisa com o Tocantins e o Mato Grosso. Após a penhora, haveria a avaliação dos bens.

Aquela diligência envolvia o processo de maior valor financeiro que até hoje tramitou no TRT18. O valor da execução somava o montante de R$ 1.348.159.161,19. Os oficiais de Justiça cumpriram a Carta Precatória expedida pela juíza titular da 14ª Vara do Trabalho da 2ª Região para a Vara do Trabalho de Porangatu, essa com jurisdição sobre o latifúndio. O Autor do processo foi o Ministério Público do Trabalho. A ré era a VASP S/A – Viação Aérea de São Paulo S/A, Wagner Canhedo Azevedo e a Agropecuária Vale do Araguaia – Fazenda Piratininga e mais outros 34 sócios.

A área total da fazenda era de 56 mil alqueires; desses, 26 mil em São Miguel do Araguaia, Goiás, e 30 mil em Araguaçu, Tocantins. A fazenda era servida por uma malha viária impressionante, estradas de cascalho bem cuidadas e grandes viadutos de concreto, nos pontos de cruzamento, estrutura de fazer inveja a muitos municípios. Tais vias eram utilizadas somente pelos caminhões de transporte de gado e equipamentos da fazenda.

Com uma estrutura gigantesca, além dos 22 retiros, a fazenda possuía duas casas principais de alto padrão, com área de lazer, piscinas, garagem para barcos e pomar. Outras edificações: 10 sobrados, escola, igreja, salão de festa, clube, estádio de futebol, quadra de esporte, duas fábricas de pré-moldados, quatro galpões, escritório, almoxarifado, auditório, padaria completa, uma balança rodoviária, inúmeros caminhões, veículos, equipamentos de terraplanagem, tratores, implementos, ônibus, máquinas de desmontar pneus, seis geradores de energia, pastagens, diversos lagos e casas de cochos, pista de pouso e hangares para estacionar aeronaves e outros tantos.

Além disso, possuía muito gado: 165 mil cabeças de bovinos, separados entre touros, tourinhos, novilhas, garrotes, vacas, bezerros, bezerros mamando e desmamados, mais de 300 muares e milhares de suínos. Centenas de funcionários que se dividiam entre mão de obra comum e profissionais especializados, como: médicos, dentistas, técnicos de segurança do trabalho, enfermeiros, dentre outros.

Divino declara que foram inúmeras as dificuldades operacionais no cumprimento das diligências. Trabalhavam de domingo a domingo, com hora para começar, mas sem hora para terminar. Uma das maiores dificuldades foi lidar com os dois gerentes da fazenda e com os questionamentos do atual e do antigo dono. O manejo do gado exigia muito trato e cuidado. Muitas reses estavam em área de mata fechada ou de pântano; mesmo sendo animais bravos, era necessário recolhê-los para a contagem e remarcação. E mais, os autos de entrega dos bens eram preenchidos à mão, no próprio curral.

A Justiça Trabalhista goiana colaborou de forma decisiva para a solução do processo trabalhista dos aeroviários contra a VASP, empresa aérea que teve a falência decretada pelo Judiciário em 2008. Os valores da venda da Fazenda Piratininga, que pertencia ao empresário Wagner Canhedo Azevedo, ex-dono da falida companhia aérea, foram revertidos em pagamento aos cerca de oito mil trabalhadores e ex-funcionários da VASP. À época, a dívida estava estimada em R$ 1,5 bilhão, valor acrescido de juros e correção monetária.

Avaliada em R$ 615 milhões, após várias tentativas frustradas, foi arrematada por R$ 310 milhões pelo grupo Neo Química/Teuto e Hypermarcas. O dinheiro foi usado para o pagamento de parte das dívidas trabalhistas da companhia aérea VASP. Divino relembra que “…foi um trabalho grandioso, que demandou aproximadamente cinco anos, em virtude dos inúmeros recursos interpostos pela ré. Todos os bens foram avaliados, toda a terra da fazenda foi conferida e entregue ao novo proprietário. Corri risco de vida e presenciei de tudo, desde brigas a assassinatos, fiz partos, transportei corpos, problemas não faltavam, dia e noite tinha que estar a postos para atender às solicitações”.

Formado em Direito pela Faculdade Anhanguera, hoje Uni-Anhanguera, Divino nem pensa em se aposentar. Cumpre pontualmente seu horário no Tribunal. Nos finais de semana, administra sua propriedade rural próxima à cidade de Silvânia, onde cria algumas centenas de cabeças de gado, cultiva milho e soja e ainda produz a ração consumida pelos animais.

Ao finalizar esse registro, não podemos deixar de destacar as qualidades do nobre colega Divino Caetano. Um dos mais antigos entre nós, sempre atencioso, prestativo, excelente gestor, servidor curinga e de caráter ilibado.

Este e outros depoimentos colhidos no Programa História Oral estão editados e se encontram disponíveis aos interessados para consulta, em forma de playlist no canal do TRT18 no Youtube.

Ariony Chaves de Castro – Chefe do Centro de Memória

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