Psicanalista francês Christophe Dejours diz que mudança na organização do trabalho afeta saúde dos magistrados

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IMG_3244 (Copy)Estudioso incansável do sofrimento e prazer no trabaho, o psicanalista Christophe Dejours trouxe inquietantes indagações e surpreendentes conclusões sobre o mundo do trabalho dos magistrados no Brasil hoje. Ele proferiu palestra no Encontro sobre Saúde Psíquica no TRT18 na tarde de segunda-feira, 1º/8, a convite da Escola Judicial. Para o professor Dejours, que é especialista em psicodinâmica do trabalho, não há neutralidade no trabalho: ou ele nos destrói ou se torna uma oportunidade extraordinária de realização pessoal e profissional e potente mediador da saúde física e mental. “Conservamos a nossa saúde mental graças à relação de prazer com o nosso trabalho”, ressalta. No caso, da magistratura no Brasil, Dejours afirma que houve uma profunda mudança na organização do trabalho que, se antes era decidida pelos magistrados, hoje é mediada por gestores que trouxeram métodos de gestão do setor privado: o chamado “New Public Management”.

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A diretora da Escola Judicial, desembargadora Kathia Albuquerque, ressaltou, na ocasião, que a Escola abre espaços para a circulação da palavra e da livre manifestação do pensamento e que o objetivo maior da entidade é possibilitar a reflexão ética sobre o próprio trabalho e superação das dificuldades vivenciadas hoje pelos magistrados

Nesse novo mundo do trabalho os gestores intervieram diretamente na organização do trabalho e introduziram quatro métodos: a avaliação individual das performances, a qualidade total, as normas Iso e a normatização e terceirização de procedimentos. As consequências dessa nova dinâmica do trabalho chegam a ser desastrosas, segundo o especialista. “Para os juízes criaram-se formatos e protocolos que padronizaram a sentença com roupagem bastante exigente e muitas vezes em contradição com a realidade local”, alertou o psicanalista. Ele citou o exemplo da França, onde houve casos de suicídio de magistrados no trabalho.

Dejours afirmou que o que parece mais difícil para os magistrados brasileiros é a avaliação individual de sua performance e aí ele critica que o que está sendo medido não é o trabalho dos magistrados mas o “lapso da instrução”, ou seja, o tempo que o juiz leva para proferir uma sentença. “O que se mede não é o trabalho, mas o resultado do trabalho e o que ocorre é que não há uma proporção entre o trabalho e o resultado do trabalho”, ressalta o estudioso.

Para o palestrante, a falha precisa ser valorizada. Pesquisar é falhar e o tempo do erro é fundamental e necessário. Ele afirma que produzir números vai resultar sempre numa degradação do trabalho. “Vite, très vite, trop vite” (rápido, muito rápido, rápido demais), brincou o francês ao mencionar a pressão por números hoje existente no Judiciário brasileiro. Segundo o estudioso, os magistrados correm atrás das metas aceitando algo que a sua moral desaprova, o que ele chama de “sofrimento ético” e que é bastante deletério para a saúde mental. “O juiz trai, de alguma maneira, as regras de seu trabalho, da Justiça e trai a si mesmo”, ressalta o professor Dejours. Ele explica que esse sentimento é muito perigoso, psicologicamente falando, campo fértil para as doenças psicossomáticas, para a perda da autoestima e o aparecimento da raiva. O suicídio, no caso, seria uma manifestação extrema em que a pessoa “grita” o horror da situação pela qual passa.

IMG_3204 (Copy)Por outro lado, há quem se utiliza de estratégias de defesa como o hiperativismo. Dejours explica que é uma maneira de não pensar e aí o juiz trabalha até extenuar-se para não sofrer e torna-se um verdadeiro colaborador do sistema. Uma outra estratégia de defesa seria a resistência e a pessoa acaba sendo alvo de perseguições.

O psicanalista apontou possíveis saídas para atenuar a pressão dessa nova organização do trabalho. Ele acredita em soluções pontuais que considerem a realidade de cada localidade. Também aposta na diminuição da pressão sobre a avaliação quantitativa que deve abrir espaço para a avaliação qualitativa.

Pesquisa
IMG_3224 (Copy)A doutora em saúde mental pela USP Selma Lancman, uma das convidadas do evento, falou sobre os resultados da pesquisa em psicodinâmica do trabalho realizada com magistrados pelo CNJ. Uma das constatações, segundo ela, foi o fato de que os juízes, principalmente os da Justiça Comum, sentirem-se abandonados à própria sorte e que sentem medo e insegurança física e psicológica em razão de sua atuação. Os magistrados, segundo o estudo, também manifestaram a sensação de fazerem mais do mesmo, de coisificação, e que têm a expectativa de extrapolar o “tocar” processos para realmente serem agentes de transformação social. Nesse sentido, manifestaram contrariedade com relação à morosidade e falta de condições de trabalho e respaldo institucional.

Fabíola Villela – Seção de Imprensa/DCSC

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