Veja entrevista com o juiz Fabiano Coelho que fala sobre as recentes alterações na jurisprudência do TST

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O Tribunal Superior do Trabalho, durante a 2ª Semana do TST, realizada em setembro, revisou vários entendimentos que resultaram na alteração de algumas súmulas da Corte Superior Trabalhista. Algumas mudanças na jurisprudência representaram um grande avanço para os trabalhadores brasileiros. Os ministros se debruçaram sobre mais de 40 temas e em 38 deles houve algum tipo de alteração. O juiz do trabalho Fabiano Coelho de Souza foi entrevistado pelo Núcleo de Comunicação e falou sobre as principais alterações na jurisprudência trabalhista e as inovações que beneficiam o trabalhador brasileiro.

Qual a análise que o senhor faz dessa mudança na jurisprudência do TST? Ela avançou para garantir ainda mais direitos ao trabalhador brasileiro?

Fabiano Coelho – Sem dúvida, o balanço é muito positivo. A gente percebe que o direito do trabalho é um ramo do direito onde a dinâmica das relações de trabalho é muito presente, muito rápida e o legislador não consegue acompanhar isso. Então é importantíssimo que o TST tenha passado a aplicar essa estratégia de parar para repensar realmente sua jurisprudência. E nesse ano em especial a avaliação que a gente faz é muito positiva de atualização de temas principalmente no que diz respeito à proteção à saúde e segurança do trabalhador, que é uma vertente que está muito clara na jurisprudência atual do TST.

O TST apenas consolidou o que já vinha decidindo ou realmente criou nova jurisprudência, novos entendimentos?

Fabiano Coelho – Em vários temas houve consolidação daquilo que já vinha sendo julgado pelo próprio TST. Agora, houve mudança significativa em alguns temas como a aplicação de normas coletivas e outros em que realmente houve alteração significativa nessa semana do TST.

De todas as mudanças qual a que o senhor apontaria como a mais significativa?

Fabiano Coelho – Eu consideraria que, sem dúvida, a alteração do entendimento da Súmula 277 é a mais significativa nessa semana do TST. A súmula aponta sobre os efeitos das cláusulas de normas coletivas. A CLT disciplina que uma norma coletiva pode valer por até dois anos. Então, o TST entendia que quando expirava a vigência de uma norma coletiva o trabalhador deixava de ter direito àquelas cláusulas da negociação coletiva antiga porque ao término de cada norma coletiva teria de ser negociado uma nova. E agora com o novo entendimento, o TST passa a adotar a tese no sentido de que aquelas cláusulas que constavam das normas coletivas anteriores se tornam uma espécie de direito adquirido dos empregados que já estavam nas empresas ao tempo da vigência da norma. Essas cláusulas então aderem aos contratos de trabalho e só se vier uma norma coletiva futura que diga expressamente que aquele direito não é mais aplicável para os empregados é que eles perderiam essa vantagem. Com esse novo entendimento, a gente inverte a lógica que até então imperava nas negociações coletivas em que a cada negociação o sindicato, desesperadamente, abria mão de uma série de vantagens para poder alcançar outras. E agora o sindicato sabe que se ele não conseguir uma nova norma coletiva aqueles trabalhadores que já estavam na empresas continuam com as mesmas vantagens. Então, é o empregado que vai passar a ter uma margem de barganha maior. A empresa vai ter que ter uma disposição maior de ceder na negociação coletiva porque ela já entra sabendo que com relação aos direitos anteriores, se não houver renúncia expressa, eles continuam valendo para os trabalhadores. E isso me parece um avanço importantíssimo para a proteção do trabalhador brasileiro.

O TST editou a Orientação Jurisprudencial 173 que trata do adicional de insalubridade nos casos de exposição ao sol. O que mudou?

Fabiano Coelho – Essa foi uma mudança significativa porque a CLT só permite pagamento de insalubridade naquelas hipóteses em que o Ministério do Trabalho reconhece que aquela condição de trabalho é insalubre. E o Ministério do Trabalho até hoje não tem reconhecimento formal de que a exposição a raios solares seja insalubre, embora a própria medicina indique o risco de doenças do trabalhador que fica exposto a raios solares. Só que o Ministério do Trabalho reconhece que o calor excessivo é fonte de insalubridade. Então, o que o TST fez foi manter o entendimento tradicional de que não cabe insalubridade por exposição a raios solares, mas passou a admitir que se no laudo pericial ficar constatado que o trabalho seja em área externa, a céu aberto, e que expõe o trabalhador ao calor excessivo como é o caso frequente dos trabalhadores do corte de cana, esse calor excessivo gera insalubridade e é devida então a vantagem econômica ao empregado para compensar a exposição ao sol.

O TST não só alterou súmulas como criou outras. É o caso da súmula, ainda sem número, que trata do intervalo intrajornada que sempre ensejou entendimentos divergentes quanto ao pagamento das horas suprimidas. O que traz de novo essa nova súmula?

Fabiano Coelho – Foi interessante porque o TST consolidou as várias interpretações sobre o intervalo numa única súmula. Então passa a ficar consolidado o entendimento de que se a empresa não concede o intervalo integral, no caso, por exemplo, em que o trabalhador tinha direito a uma hora de intervalo e a empresa deixava que ele tirasse só 20 ou 30 minutos, esse trabalhador vai ter direito a receber uma hora completa porque é a forma de compensar a supressão do intervalo que é uma questão de saúde do trabalhador. Nessa súmula ficou consolidado também que esse pagamento é uma espécie de verba salarial. Por isso, o trabalhador, além de receber a hora do intervalo suprimido, ele vai receber os reflexos dessas horas de intervalo no FGTS, nas férias e em diversas outras verbas trabalhistas.

O entendimento sobre o tempo de sobreaviso também foi alterado. A partir de agora, o que muda para o trabalhador que fica de plantão aguardando ordens do patrão, pelo celular ou bip, ou outro aparelho?

Fabiano Coelho – Essa mudança foi importante. Ocorreu que no final de 2011 o Congresso Nacional regulamentou o art. 6º da CLT, que dispõe sobre o teletrabalho, e, ao promover essa regulamentação, o legislador passou a reconhecer que esses mecanismos tecnológicos de celular, bip ou outros aparelhos similares servem para fins de controle da atividade do trabalho, para fins de caracterização da subordinação e, por isso, o TST mudou a sua súmula 428 para dizer que o uso do celular, do bip ou equivalente por si só não caracteriza o sobreaviso, mas se ficar provado que o trabalhador estava sujeito a aguardar ordens no fim de semana, ele vai ter direito à remuneração desse período como sobreaviso. O que é muito justo porque o trabalhador tem direito ao descanso, ao lazer, e se esse descanso for prejudicado por uma exigência do empregador de aguardar ordens nada mais razoável e justo do que remunerá-lo por esse tempo.

 A remuneração é diferenciada?

Fabiano Coelho – A remuneração é equivalente a um terço do período do próprio fim de semana em que ele fica aguardando ordens.

As mudanças também beneficiam o servidor público e otimizam a atuação do Ministério Público do Trabalho. O senhor pode resumir sobre esses dois avanços?

Fabiano Coelho – Em relação aos servidores públicos houve avanço significativo porque o TST incorporou à sua jurisprudência a aplicação da Convenção 151 da OIT que foi ratificada pelo Brasil recentemente. Essa Convenção trata justamente do reconhecimento de direitos sindicais e de negociação coletiva no âmbito do serviço público. O TST tem um entendimento histórico que vem da própria jurisprudência do Supremo de que não é possível termos normas coletivas envolvendo o servidor público já que a Constituição fala que reajuste salarial do servidor público só pode ser concedido mediante lei específica de iniciativa do órgão respectivo. No entanto, com a Convenção 151 foi preciso adaptar essa jurisprudência. Em razão de que a Constituição continua exigindo lei específica para o reajuste salarial existem outras condições de trabalho que podem ser negociadas por meio de normas coletivas. Então o avanço dessa semana do TST em relação aos servidores públicos é isso: de reconhecer formalmente na jurisprudência de que é possível a negociação coletiva envolvendo cláusulas sociais e outros assuntos que não sejam propriamente reajuste salarial. E em relação ao Ministério Público do Trabalho houve uma mudança de uma orientação jurisprudencial, que é a 130 da SDI-II, que dizia que se o MPT quisesse entrar com uma ação contra uma empresa ou vários empregadores sobre um assunto cujo dano ocorresse no território de jurisdição de várias varas do trabalho o MPT tinha que observar alguns parâmetros: se a ação fosse dentro do território do TRT, por exemplo uma ação de uma empresa que tivesse atuação em várias cidades de Goiás, teria de entrar com uma ação em Goiânia. Se a ação dissesse respeito a uma empresa que tivesse atuação em vários Estados, e portanto, em vários TRTs, teria de entrar com essa ação em Brasília. Isso, muitas das vezes, dificultava o trabalho do Ministério Público principalmente na hora da instrução e do próprio julgamento porque a gente tem alguns exemplos que são paradigmáticos acerca disso. Por exemplo, ações que envolveram a produção de fumo no sul do país. O Ministério Público entrou com várias ações civis públicas contra indústrias e fazendeiros dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Essas ações foram parar na mão de um juiz de Brasília que, por mais que tenha a sensibilidade social, está fora do contexto social em que se deu o dano noticiado pelo MPT. E agora houve um avanço enorme com a mudança da OJ 130 e o TST passa a admitir que se a situação é essa, que o dano é localizado, regional, o MPT pode entrar com ação em qualquer uma das varas do trabalho que estejam inseridas no local do dano. Se for um dano de âmbito nacional que pega mais de uma região do país, o Ministério Público pode entrar com uma ação em qualquer vara do trabalho que seja sede de TRT, mas sempre observando isso, de que um juiz que está inserido no problema social vai conduzir o processo e julgá-lo porque nós entendemos que é um avanço enorme na efetivação dos direitos do trabalhador.

Outra alteração que vai de encontro com a atuação proativa da Justiça do Trabalho, preocupada com os altos números de acidente do trabalho no País, foi com relação à estabilidade do trabalhador por prazo determinado que sofre acidente do trabalho. Também houve avanços?

Fabiano Coelho – Sem dúvida. O TST consolidou na súmula 378 aquilo que alguns precedentes já diziam. Como a lei previdenciária não faz distinção, todo trabalhador que sofra acidente e perceba o benefício previdenciário, e para isso ele fica afastado mais de 15 dias do trabalho, ele tem a garantia de emprego. E o TST passou a reconhecer expressamente que essa garantia vai valer mesmo que esse contrato seja de experiência ou seja contrato por prazo determinado.

Os trabalhadores que atuam no regime de 12×36 também serão beneficiados?

Fabiano Coelho – Esse tema é muito polêmico. Muita gente entende que o regime de 12×36 fere a Constituição porque ela fala que eu não posso trabalhar mais do que oito horas por dia. No entanto, o TST editou uma súmula em que ele reconhece aquilo que o tribunal já vinha julgando: de que a 12×36 é válida, excepcionalmente, desde que seja firmada por norma coletiva. Não pode o empregador querer impor ao empregado esse regime de trabalho. E além disso a súmula expressa algo importante que vários regionais não vinham seguindo, de dizer que a 12×36 não tira do trabalhador o direito de descanso nos feriados. Então, nesse sistema o cidadão trabalha dias alternados mas se o dia que for a escala dele coincidir com o feriado ou a empresa dá a folga para ele ou vai ter de pagar em dobro por aquela prestação de serviço, o que de certa forma também ameniza a dificuldade que esse regime de 12×36 gera para os empregados.

A partir de agora também demitir portador de doença grave pode gerar indenização. O que prevê a nova súmula?

Fabiano Coelho – Essa súmula é fundamental para a efetivação de direitos humanos porque a gente tem percebido que muitas empresas não têm responsabilidade social. No momento em que o empregado tem uma doença grave e mais precisa da empresa ele é dispensado. Então, na realidade, o TST passa a entender que eu posso presumir que se eu dispensei um empregado que seja portador de HIV, ou de qualquer outra doença que tenha caráter estigmatizante, essa dispensa é nula. Presume-se que foi abusiva e a consequência dessa nulidade, por ser discriminatória a dispensa, seria a empresa ser obrigada a reintegrar o trabalhador, o que seria um grande avançado justamente para que as empresas deixem de praticar discriminações contra trabalhadores adoecidos. Recentemente, inclusive, proferi uma palestra durante o congresso sobre saúde mental, entendendo que a depressão seria uma doença estigmatizante. Quando o trabalhador fala que é portador dessa doença dificilmente ele vai conseguir se inserir no mercado de trabalho normalmente.

Por fim, o que poderia ter avançado mas não evoluiu nesse sentido?

Fabiano Coelho – Bom, no campo processual eu particularmente entendo que deveria ser revista a questão dos honorários advocatícios. Não me parece justa a situação atual em que o trabalhador, mesmo tendo razão, é obrigado a pagar o seu advogado para buscar a reparação de uma lesão que a empresa causou. Então é um ponto que eu entendo que poderia ser mudado num futuro próximo. E no aspecto de direito do trabalho, tenho percebido que muitos regionais têm problema absurdo com o volume de ações que dizem respeito às horas in itinere. Então me parece que esse é um tema que o TST deveria se debruçar logo para editar um verbete, uma OJ, uma súmula, dizendo, por exemplo, que é proibido o sindicado renunciar às horas in itinere do trabalhador, que é algo que vem ocorrendo no Brasil inteiro, renúncia de um direito que está assegurado expressamente na CLT. Então seria importante que o TST se debruçasse sobre esse tema porque ao editar uma súmula ou OJ, embora seja apenas um entendimento jurisprudencial, serve como recado para o empregador, para que ele saiba que se ele continuar incindindo naquela prática, seguramente ele vai ser condenado em processos trabalhistas.

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